sábado, 27 de julho de 2019

Gestalt-terapia

A abordagem Gestáltica foi lançada oficialmente em 1951, com a publicação do livro “Gestaut-Therapy”, em Nova York, por Perls, Hefferline e Goodman. Até essa data, Friederich Salomon Perls,  seu fundador, recebeu influências do Humanismo, Existencialismo, Fenomenologia, Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo, Teoria Organísmica, Psicanálise, Taoísmo, Zen Budismo e Psicodrama, o que o levou a questionar a Psicanálise e formular a Gestalt-terapia, que propõe a “concentração sobre o contato” consigo, com o outro e com o mundo, no aqui-e-agora (que inclui passado e futuro), com o objetivo não só de reestabelecer a unidade da pessoa, mas também desenvolver o potencial humano (VIEIRA, 1997).

Friederich Perls, não queria que Gestalt fosse apenas um conceito, mas algo inerente à natureza, uma essência que está no aqui-agora e que desaparece se o todo for fragmentado em suas partes. Quando uma Gestalt está aberta ou incompleta é chamada situação inacabada ou impasse. O foco da Gestalt é a percepção, que é a espinha dorsal da sensação pessoal de realidade, a maneira pela qual nós enxergamos nossas experiências.

Com meu Pai que era Policial, tive minha primeira aula sobre percepção anos antes de cursar Psicologia. Ele me contou que certa vez havia ficado com medo do que parecia ser um fantasma próximo a uma cerca de arame, mas ao enfrentar seu medo e chegar mais perto, viu se tratar de um lençol branco rasgado balançado pelo vento.

Ginger (1995), afirma que, a genialidade de Perls e de seus colaboradores foi elaborar uma síntese coerente de várias correntes filosóficas, metalógicas e terapêuticas européias, americanas e orientais, constituindo assim uma nova “Gestalt”, na qual o “todo é diferente da soma das partes”. No Brasil, a abordagem surge no início da década de 70, através de um artigo escrito por Therese Tellegen, “Elementos de Psicoterapia Gestáltica” e publicado no Boletim da Sociedade de Psicologia de São Paulo. É, portanto, uma abordagem jovem, em pleno desenvolvimento e expansão.

A Gestalt-Terapia é considerada uma postura diante da vida, que implica um contato vivo com o mundo, com a pessoa do outro na sua singularidade, sem pré-concepção de qualquer ordem. O contato, por sua vez, é um ato de autoconsciência totalizante, envolvendo um processo no qual às funções sensoriais, motoras e cognitivas se unem em complexa interdependência dinâmica.

Segundo Ribeiro (1994), o contato é o processo que permite a relação acontecer e acontecer em duplo aspecto, aproximando e separando as pessoas umas das outras. Sem este movimento, o encontro desapareceria no caos, perderia-se as possibilidades de colocar limites e, conseqüentemente, perderia-se a própria identidade. Para tanto, o contato evidencia-se na relação do indivíduo com ele próprio e com o meio. Sendo que é nesta relação que se estabelece um dos princípios da Gestalt-Terapia, que diz respeito à responsabilidade que cada indivíduo possui por suas escolhas e evitações.

Tendo-se em vista a importância do contato para a Gestalt-Terapia, percebe-se que este ocorre sobre a vivência no aqui e agora, que conforme pontua Ribeiro (1994) é a totalidade da experiência do indivíduo e da experiência humana. A partir disto, a experiência e vivência imediata representam o momento de entrada na realidade, contendo a chave do passado e do futuro, respondendo às questões de como o tempo se concretiza e o espaço se temporaliza, sendo que o “aqui e agora” não se resume a um conceito espaço-temporal, mas sim, assinala um modo de conceber a realidade e de lidar com ela.
A visão Holística é uma teoria que tem como foco o homem como um todo, unificado, em que não é possível separá-lo em mente e corpo. A Gestalt-terapia trabalha com uma visão de homem composto por organismo, meio e mente, e esta tríade funciona de forma dinâmica e inter-relacionada. Considera, portanto, que corpo, alma e mente, estão numa situação de influência recíproca, havendo integração do sentir, pensar e agir, vendo o cliente em sua totalidade.

Segundo Rodrigues (2004), na Gestalt, o aqui-e-agora é incorporado na terapia como uma espécie de estratégia de enfoque, ou seja, todo o trabalho terapêutico estará centrado no que o cliente traz, naquilo que ele vive no momento, sejam seus pensamentos, sensações, sentimentos e intuições percebidas, e não descartando qualquer tipo de informação que seja percebida e que seja relevante para o processo terapêutico. Portanto, todas as informações são consideradas, sua fala, seus gestos, sua expressão facial, sua respiração, seu modo de olhar, o ato de desviar o olhar, enfim, todas as coisas que estão acontecendo no aqui-e-agora.

A compreensão do aqui e agora deve ocorrer a partir de uma abordagem todo-parte, sendo o todo anterior às suas partes, uma vez que as pessoas são muito mais que a simples soma de suas partes. Para Ribeiro (1985) o todo perde muito de seu significado, de sua importância intrínseca, no momento em que para ser analisado é dissecado em suas partes. Neste sentido, a Gestalt-Terapia compreende que é a totalidade que encerra o significado, como afirma também que a intencionalidade está na totalidade.

Viver o aqui e agora para a Gestalt-terapia, é estar aqui, vivendo o presente para o presente, o qual contém e explica a relação com a realidade como um todo, sem necessidade de recorrer a experiências passadas. “Estar no aqui e agora é um abrir-se à análise e à informação, viver o aqui e agora é um experenciar a realidade interna e externa, como ela acontece, tenha ou não antecedentes que a expliquem ou justifiquem” (RIBEIRO, 1985, p. 79)

A homeostase é a forma pela qual o homem tenta conseguir um equilíbrio, tanto psicológico como fisiológico, percebendo quais são suas necessidades no presente, conscientizando-se de suas figuras junto ao meio, através do encontro com formas criativas de realizá-las.

A Teoria de Campo de Kurt Lewin enfatiza as necessidades, a personalidade e fatores sociais como elementos mobilizadores dos indivíduos. Considera que as atividades psicológicas do ser humano ocorrem em um campo denominado espaço vital. O espaço vital é um campo psicológico, definido como a totalidade dos fatos que determinam as atitudes do indivíduo em um determinado momento. Leva em conta o indivíduo, meio e fatos coexistentes (RIBEIRO, 1985).

“A Gestalt-terapia afirma que a pessoa deve ser vista como um todo, ou seja, que seu comportamento, que sua maneira de agir e pensar, só se tornam compreensíveis a partir de sua visão dentro de um determinado campo, na qual ele se encontra em relação” (RIBEIRO, 1985, p.95).

Em relação à figura e fundo, Ginger e Ginger (1995), afirmam que esta é uma noção básica da Psicologia da Gestalt. Para estes autores, a pessoa saudável deve poder discernir claramente a figura dominante do instante, que só assume pelo sentido, se estiver relacionada com o fundo, o plano posterior. Esta relação de totalidade se compõe de elementos percebidos imediatamente e outros só mediatamente, isto é, através da relação figura e fundo.

De acordo com Rodrigues (2004), “fundo é tudo, o que nos cerca, nós próprios, nossa história... Enfim tudo o que possa servir como contexto para o surgimento” (p. 112). Assim, a figura é compreendida como a necessidade que surge em determinado contexto (fundo). O mesmo autor, ainda complementa afirmando que, toda vez que nossa atenção se volta para algo – busca uma figura – essa busca sempre se realizará sobre um fundo. O fundo é na verdade para onde olhamos, para onde direcionamos nossa busca pelo que precisamos, que não nos chama atenção, até que finalmente encontramos o que precisamos. Assim, fundo é tudo, o que nos cerca, nós próprios, nossa história... Enfim, tudo o que possa servir como contexto para o surgimento de algo.

O homem é movido por necessidades. A primeira necessidade que surge é a figura, e todas as demais partes são o fundo. A partir do momento que for suprida esta necessidade, ela fica temporariamente esquecida, passando a ser fundo e todo o resto passa a ser figura. Como a figura está numa dinâmica relação com o fundo, quando uma necessidade é satisfeita, a situação se modifica, surgindo uma nova figura (RIBEIRO, 1985).

A Teoria Organísmica de Goldstein, tem como ideia central o organismo como sendo um todo, unificado, em que o homem não pode ser visto de maneira isolada, como Descartes, que dividia o ser humano em mente e corpo. Ao contrário desta ideia, Goldstein cita: “O organismo é uma só unidade, e o que ocorre em uma parte, afeta o todo” (RIBEIRO, 1999, p. 107). De acordo com este autor, o organismo e o meio estão em íntima relação, o indivíduo tem por natureza capacidade para funcionar de maneira organizada buscando a autorregulação.
 Principais Conceitos de Gestalt-Terapia

1. O Self-Support
O Self-Support é uma estrutura que possibilita meios para que o indivíduo resolva seus problemas e supra suas necessidades.

Segundo Latner (apud Ginger, 1995, p. 127), “é nossa maneira particular de estarmos envolvidos em qualquer processo, nosso modo de expressão individual em nosso contato com o meio. Ele é o agente de contato com o presente, que permite nosso ajustamento criador”.

Quando uma pessoa busca ajuda terapêutica, seu self está desestruturado, busca autocontrole, e o terapeuta é o suporte para satisfazer as necessidades que nem o cliente nem o meio estão em condições de suprir.

2. Totalidade e Integração
O ser humano é visto como um todo, que está em perfeita harmonia com os processos que ocorrem tanto internamente, como externamente em seu organismo. Porém, quando este processo falha, ocorre a desintegração da totalidade do ser humano.

A partir do momento que esta totalidade se desintegra, ou seja, não se encontra presente, a Gestalt-terapia tem como objetivo integrá-la novamente e levar o indivíduo a tomar consciência deste processo, levando-o a vivenciar sua totalidade. “A integração se tornará objetivo da Gestalt-terapia sempre que se evidenciar que a totalidade não está presente no ser humano e que a falta dela lhe está causando problemas, ‘fazendo-o em pedaços’” (BUROW, 1985, p. 59).

3. Contato e Fronteira de Contato
O contato é a realidade mais simples a ser entendida, pois ocorre a todo instante. “O contato é a condição básica universal para a vida de qualquer ser” (SPANGERBERG, 1996, p. 28). Ele pode acontecer na relação com os outros, consigo mesmo, com coisas ou objetos, através do olhar, do escutar, do tocar, do falar, do movimentar, etc., dependendo do “o que” e de “como” está em contato.

4. Percepção
A percepção é o que leva o indivíduo a buscar suas necessidades, desta forma, ela é fundamental para se estabelecer contato. A percepção é a consciência do aparecimento de uma dificuldade que se sobressai, como sendo figura, deixando de ser quando não é mais significativa. O fundo não é percebido até o momento que se torna figura. “O processo de percepção é compreendido como um constante aparecimento e desmoronamento de gestalts, apesar de existir uma dinâmica constante e viva entre figura e fundo” (BUROW, 1985, p. 63).

5. Consciência (Awareness)
Awareness é uma palavra de difícil tradução, mas que pode ser entendida como presentificação, tornar-se presente, tomada de consciência ou conscientização. Para Yontef (apud Polster, 1979, p.29), pode ser considerada como uma forma de experienciar, aliada ao fenômeno dessa experiência. A pessoa ao tomar consciência de si, aceitando-se como realmente é, percebendo-se no aqui e agora em contato com o meio, é que consegue satisfazer suas necessidades, permitindo-se novas formas de ser, enfim, conscientizando-se, pois a consciência é atributo pelo qual o homem pode conhecer sua própria realidade.

6. Polaridade
A polaridade acontece quando o indivíduo identifica-se com características opostas, o que leva a uma atitude de descrédito do eu, que traz como consequência uma incapacitação de relacionar-se com o outro.

Segundo Ribeiro (1994, p. 23), “polarização é o processo, através do qual o indivíduo organiza e simboliza crenças a respeito de si e do mundo. Isso pode ajudar a ocultar o processo de autorregulação”.

Ao trabalhar com polaridade o terapeuta leva o cliente a optar por dois lados, ou seja, ver-se na totalidade, reconhecer que possui seu pólo positivo e seu pólo negativo, possibilitando o amor de uma parte pela outra e a recriação de um real processo, levando a pessoa a seu verdadeiro self.

7. Fantasia
Polster (1979) descreve como sendo a fantasia uma força expansiva na vida de uma pessoa, ela ultrapassa as pessoas, o ambiente ou o evento imediato que, de outra forma, poderia limitá-la. A fantasia é o oposto da realidade, ela surge das expectativas, de uma situação de insegurança. Com freqüência antecipamos situações de crise, que se instalam em nós gerando ansiedade.

Situações fantasiosas têm como conseqüência, o adiamento de tomadas de decisões por medo do que poderia acontecer, e quando essas não seguem sua pré-determinação, abre-se o espaço para a frustração.

Referências Bibliográficas:

Burow, O. A. Gestalt Pedagogia, um caminho para a educação. São Paulo: Summus, 1985.
Fadiman e Frager. Teorias da personalidade. São Paulo. Harbra, 1986
Ginger, Anne e Serge. Gestalt: Uma terapia de contato. São Paulo: Summus, 1995.
Giordani, M.C. Iniciação ao existencialismo. Vozes, 1997.
Lewin, Kurt;. Teoria de campo em ciência social. (organizado por CARTWRIGHT, Dorwin). Sao Paulo: Pioneira, 1965.
Perls, Frederick S. Isto é Gestalt. São Paulo: Summus, 1977
Perls, Frederick S. A abordagem Gestáltica e testemunho ocular da terapia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
Polster, Erving & Miriam. Gestalt-Terapia integrada. Belo Horizonte: Interlivros, 1979.
Ribeiro, J. P. Gestalt-terapia, refazendo um caminho. São Paulo: Summus, 1985.
Ribeiro, J. P. Gestalt Terapia: o processo grupal: uma abordagem fenomenológica da teoria do campo e holística. São Paulo: Summus, 1994.
Ribeiro, J. P. Gestalt Terapia de curta duração. São Paulo: Summus, 1999.
Rodrigues, H.B.C. Sobre as histórias das práticas grupais explorações quanto a um intrincado problema. In: Jacó-Vilela e Mancebo, D. Psicologia Social: Abordagens sócio-históricas e desafios contemporâneos. RJ: EDERS, 1999.
Rodrigues, Hugo. Introdução à Gestalt-Terapia. Petrópolis, Vozes, 2004.
Sartre, J.P. O ser e o nada – Ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.
Spangenberg, Alejandro. Terapia Gestaltica e a inversão da queda. São Paulo: Paulinas, 1996
Stevens, J. O. Isto é gestalt. São Paulo: Summus, 1977.
Stevens, J.O. Tornar-se presente: experimentos de crescimento em gestalt-terapia. São Paulo, Summus, 1988.
Tellegen, T. A. Gestalt e grupos: uma perspectiva sistêmica. São Paulo, Summus, 1984

2 comentários:

  1. Parabéns pelo post, informação de qualidade sobre Gestalt-terapia. A teoria Gestalt da percepção que utiliza os conceitos de figura-fundo e parte-todo é uma inspiração para a abordagem inter-disciplinar da Psicologia.

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    1. Valeu! Sim isso mesmo, apesar das disputas do passado entre as diferentes perspectivas, atualmente existem artigos científicos que juntam várias abordagens, como por exemplo: Gestalt-terapia, Psicodrama, Terapia Sistêmica, Terapia Cognitiva e Cognitivo Comportamental, Neurociência, Psicologia Evolucionista, Psicanálise entre outras. Hoje em dia nas universidades vemos uma formação chamada generalista, que abarca um leque bem mais variado de abordagens e sem dúvida a Gestalt contribuiu nessa caminhada para totalidade, para interdisciplinaridade e um maior entendimento entre abordagens.

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