quarta-feira, 20 de março de 2019

Um Universo que veio do Nada


Conforme as teorias científicas mais testadas e comprovadas, deveríamos aceitar a hipótese aparentemente non sense de que o nosso universo possa ter se originado do vácuo.

“Por que existe algo ao invés de nada?”
Gottfried Wilhelm Leibniz

Vamos começar o post com essa pergunta provocante do grande físico, matemático e filósofo alemão, o inventor do cálculo infinitesimal e da base de numeração binária.

Essa pergunta aparentemente pueril de Leibniz é a mesma que o cientista Lawrence Krauss tenta responder no livro “Um Universo que veio do Nada - Porque há Criação sem Criador”.


Estabilidade e Instabilidade

Na falta de um recurso mais ilustrativo, que poderia ser tanto o uso de uma prosa mais elaborada ou o apelo para técnicas matemáticas complicadas que poucos entenderiam, a melhor imagem mental que posso fornecer do nada físico talvez seja a figura de um elefante tentando se equilibrar numa corda bamba.

Vou explicar o porquê.

Primeiramente vamos deixar claro que o nada físico não é “nada” em sentido absoluto, o nada físico é um campo quântico povoado por partículas virtuais efêmeras que são criadas e destruídas dentro de uma janela temporal de incerteza.

No vácuo, um próton levaria mais que a idade do universo para decair num nêutron e num elétron, preservando o princípio de conservação da carga, então se perguntarmos acerca de uma porção do vácuo com um próton, o que existe ali durante os próximos bilhões de anos?

A resposta é: Um próton e todas as forças da natureza na forma de campos quânticos.

O Próton, aquela familiar partícula de matéria do núcleo atômico, é uma entidade física estável! Depois de existir ele permanece exatamente como é e demora a se transformar em alguma outra coisa, o Próton é praticamente imortal.

O tempo que medimos o vácuo é importante, se esperamos um bilhão de anos ou mais ou meras frações de segundo, o tempo que avaliamos “um nada” pode determinar o que é esse “nada”! 

Pelo princípio de incerteza de Heisenberg, quanto menor for à incerteza temporal de um evento, maior será a incerteza da energia, isto é, se você olhar para o vácuo em intervalos temporais cada vez mais ínfimos esse nada não estará vazio, mas borbulhando de energia virtual, num ciclo de criação e autodestruição constante.

Segundo a teoria de Lawrence Krauss, endossada por outros físicos de renome como Stephen Hawking, essa energia poderia se transformar em energia real! Desde que uma parcela negativa de energia seja inserida na equação e essa parcela de energia é a energia de coesão gravitacional, que se opõe a energia positiva da massa que existe na matéria e nos seus campos de força.

Imaginem como seria equilibrar uma estrela anã branca super densa numa ponta de um alfinete, agora imaginem um alfinete com dimensões nanométricas e continuem diminuindo mentalmente até chegar num único átomo, ainda assim essa imagem não conseguirá transmitir de forma correta como seria se equilibrar sobre “o nada”. O nada é o equilíbrio perfeito de opostos, algo extremamente instável e que está sempre se desmanchando e se autossabotando com a sua tendência natural de ser alguma coisa.

O nada é como o vilão Thanos em sua autossabotagem que busca a sua amada morte e a derrota, a diferença é que o “nada” busca ser “alguma coisa”, sempre e em todas as situações.

Por isso que existe algo ao invés de nada, porque “algo” é mais estável do que “nada”.

O “nada” é a mudança ipsis letteris, é o que varia sem nunca se fixar em coisa alguma, são parâmetros quânticos oscilando e que se auto cancelam perfeitamente. Essa quantidade incomensurável de energia somente se torna real em situações especiais que podem romper o vácuo físico.

A teoria do Lawrence Krauss é a teoria de que o Big Bang foi um desses eventos onde o vácuo foi rompido, mas um evento onde a energia positiva da matéria e da radiação está perfeitamente em equilíbrio com a energia negativa da coesão gravitacional.


Local e Universal

De forma local observamos a Lei de Lavoisier “Na natureza nada se cria e nada se perde, tudo se transforma”. Essa lei também é válida de forma universal, mas com algumas adaptações.

Aparentemente o nada pode se transformar em algo porque “o nada” também é algo desde o princípio! Podemos entender essas manifestações físicas como estados quânticos, o estado de “nada” e o estado de “alguma coisa” seriam intercambiáveis, desde que a energia positiva fosse contrabalançada pela energia de coesão gravitacional. Não podemos ver pequenas massas surgir do nada, simplesmente porque pequenas massas tem pouca energia gravitacional para contrabalançar a energia que seria “criada” pela transformação do nada em alguma coisa.

A nossa experiência e o nosso senso comum não estão errados, eles valem apenas numa escala local! Em oposição ao senso comum, as teorias da física sugerem que universos inteiros podem surgir de flutuações quânticas do vácuo! O que vale para uma porção do universo pode não valer para o universo todo.

Temos dificuldade de entender como não é possível a criação a partir do vácuo em pequena escala, enquanto tal criação a partir do nada poderia ser real numa escala universal. Como observadores limitados temos um déficit cognitivo que não podemos transpor: Não podemos observar o universo inteiro de uma vez! Então ele poderia ter surgido do nada e ninguém perceberia ou teria ideia de que foi assim que ocorreu.

Universos em miniatura ou pequenos big-bangs não surgem em laboratórios, confirmando na prática o que todos já sabemos e intuímos, mas isso não significa que um universo inteiro ou vários deles possam surgir dessa forma, como sendo a decorrência natural da mudança do [estado-nada] para o [estado-universo], sendo esse estado-universo o mais estável dos dois.(~13,7 bilhões de anos ou mais)

Toda a energia positiva do que vemos a nossa volta é incrivelmente cancelada pela energia gravitacional de coesão, quando olhamos para o céu estrelado estamos contemplando uma energia total nula, literalmente.

O modo que essa energia se configura é que denominamos de Universo.


Tá, mas e daí?

Assim como a teoria da evolução não precisa de um criador para a vida, a seleção natural e a evolução geram e controlam a bioquímica dos seres vivos, no campo da física um criador também não é mais necessário para produzir tudo que existe, pois existem campos quânticos em equilíbrio no vácuo do universo.

A teoria do Lawrence Krauss faz pela física o que o Darwinismo fez pela biologia. Mostra exatamente porque não precisamos de um criador para criar o universo.

A hipótese está aí. Os fundamentos explicativos também. No entanto, podemos fazer como os três macacos sábios na sua versão sarcástica e fazer de conta que nada disso faz sentido ou existe.

Essa sugestão de um universo que surgiu do nada não é tão estéril ou incompatível com o misticismo como muitos poderiam pensar, muito menos é algo novo que foi inventado recentemente.

Na Cabala, no início da criação existia o Ain-Sof (o nada sem limites) que existia antes da primeira Sephira, Kether (coroa). Na mitologia grega esse Ain-Sof cabalístico seria o que Hesíodo chamou de Kaos ou a forma mais primitiva de consciência divina.

Como nos disse Poincaré de forma sábia:
“Duvidar de tudo ou crer em tudo. São duas soluções igualmente cômodas que nos dispensam, ambas, de refletir”.

Leituras recomendadas:

Um Universo que veio do Nada – Lawrence Krauss
O Grande Projeto – Stephen Hawking & Leonard Mlodinow
O Relojoeiro Cego – Richard Dawkins

4 comentários:

  1. Muito legal o post,faz pensar o quanto nos deixamos levar por crenças de cunho emocional, muitas vezes essas crenças nos impedem de ver as coisas como realmente são. Nos dá ao menos a possibilidade de olhar de diferentes perspectivas um mesmo problema ou questão.

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  2. Sim. Nos deixamos levar por crenças falaciosas.

    Embora pareça absurdo, não há nada que impeça a criação a partir do nada. A irracionalidade emocional tenta justificar as coisas como "bom senso", só que a ciência vai além.

    Ainda não sabemos se na realidade aconteceu assim mesmo, mas no mínimo devemos considerar a hipótese do Universo ter se originado do nada.

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    1. Sim, os criacionistas são exemplo clássico do quanto essa irracionalidade emocional tenta tapar o sol com a peneira, negando teorias científicas amplamente comprovadas... Não conseguem considerar ao menos a hipótese do universo ter se originado do nada.

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    2. Exatamente. O criacionismo foi derrotado na física também.

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