terça-feira, 9 de abril de 2019

A Jornada do Herói


“O Monomito, de acordo com o trabalho de Campbell, em O Herói de Mil Faces, parte da premissa de que ‘seja o herói ridículo ou sublime, grego ou bárbaro, gentio ou judeu’, sua jornada sofre poucas variações no plano essencial”.

Campbell emprestou o termo monomito ao retirá-lo de uma obra de James Joyce, escritor de origem irlandesa. Em conjunto com Henry Morton, Campbell publicou um estudo chamado “Uma Chave Mestra para Finnegan’s Wake” (A Skeleton Key to Finnegans Wake) em que faz o empréstimo do termo Monomyth do conto do de Joyce chamado Finnegan’s Wake.

O estudo de mitologia comparada realizado por Joseph Campbell continua sendo tão importante por ir além do trabalho realizado por qualquer outro estudioso ou mitólogo. Tanto pela vasta quantidade de material analisado, quanto pela qualidade da análise.

Campbell analisou centenas e centenas de relatos mitológicos das culturas mais diversificadas e se concentrou nas similaridades contidas em todos eles. Uma mitologia não é criada depois de um insight de um único gênio, geralmente é uma coleção de lendas que são criadas e\ou compiladas por várias pessoas ao longo de séculos, começando na tradição oral numa época pré-histórica e depois se desenvolvendo através da linguagem durante muito tempo.

Esses contadores de histórias primitivos tinham conhecimento das mitologias de outras culturas, então são pessoas que adaptaram os mitos que já existiam e adicionaram elementos exclusivos de sua própria autoria. Sem nenhum cinismo, podemos dizer que os criadores de mitos foram os primeiros especialistas em “roteiros adaptados” da humanidade!

Essa é uma das razões para a semelhança entre os mitos, embora não seja a causa principal para a nítida uniformidade entre todos eles. No caso da mitologia romana, podemos considerá-la um caso exemplar de adaptação. Uma adaptação da mitologia grega para o modo de vida romano, com todos os seus costumes particulares.

Geralmente não é o que ocorre com outras mitologias, pois nem todas as civilizações ou impérios do passado foram tão condescendentes com os povos que dominaram como os romanos foram com os gregos. No entanto, a uniformidade imposta pelo Monomito persiste, seja quando comparamos a mitologia nórdica com a mitologia hindu ou quando comparamos a mitologia celta com a mitologia africana, somente para exemplificar alguns extremos culturais e geográficos.

Segundo o próprio Campbell, “o percurso padrão da aventura mitológica do herói é uma magnificação da fórmula representada nos rituais de passagem: separação-iniciação-retorno e que podem ser considerados a unidade nuclear do Monomito”. Considerando que tais ritos de passagem eram comuns em qualquer sociedade primitiva, podemos entender que a tese básica do Campbell faz todo sentido.

Como resume Campbell:

“...quer se apresente nos termos das vastas imagens, quase abismais, do Oriente, nas vigorosas narrativas dos gregos ou nas lendas majestosas da Bíblia, a aventura do herói costuma seguir o padrão da unidade nuclear (...) é um afastamento do mundo, uma penetração em alguma fonte de poder e um retorno que enriquece a vida.”

Essa é a trajetória do Herói.


Devemos entender aqui o termo “Herói” como o “Herói de Mil Faces”, como o protagonista genérico da sua própria aventura.

O ESQUEMA DO MONOMITO

 Um resumo:

1. O Herói é apresentado no mundo comum, onde recebe um chamado à aventura.

2.Primeiro recusa o chamado, mas num encontro com o mentor é encorajado a fazer a travessia do primeiro limiar e entrar no mundo especial, onde encontra testes, inimigos e aliados.

3. Na aproximação da caverna oculta, cruza um segundo limiar onde enfrenta a provação suprema.

4.Ganha sua recompensa e é perseguido no caminho de volta ao mundo comum.

5.Cruza então o terceiro limiar, experimenta uma ressurreição e é transformado pela experiência.

6.Chega então o momento do retorno com o elixir, à benção ou o tesouro que beneficia o mundo comum.



O Monomito na Cultura Geek

Filmes
Na indústria cinematográfica, a utilização do Monomito pode ser encontrada na saga original de Star Wars (episódios IV, V e VI), do diretor George Lucas. Nos censos dos EUA e do Reino Unido uma grande parcela da população declarou que a sua religião era “A Filosofia Jedi de Star Wars”, também chamada de Jediismo.

RPG
Um dos usos mais interessantes do Monomito são os R.P.G. (Rolling Playing Games) ou jogos de representação de papéis. Desde o emblemático “Dungeons and Dragons” até RPG's baseados no mundo moderno, verificamos o uso da fórmula do Monomito para as escolhas criativas que muitos mestres de RPG fazem no roteiro dos seus jogos.

Jogos de Computador
Uma boa quantidade de jogos de computador que envolve aventuras medievais baseadas em RPG tem um enredo que remete ao Monomito e também vários jogos FPS com história singleplayer seguem um modelo parecido ao que foi exemplificado por Campbell.

Literatura Fantástica
O livro “A Morfologia do conto Maravilhoso" de Vladmir Propp chamou a atenção dos estudiosos para a existência de uma estrutura narrativa comum a todos os contos de fadas Russos, lançando a especulação de que todos os contos de fadas tem uma estrutura narrativa comum. Antes disso, J. R. R. Tolkien tinha utilizado essa ideia para criar a sua própria mitologia pessoal, com um mundo ficcional completo e cheio de detalhes para ser usado em seus livros.


A Ação do Monomito na Saga Star Wars

StarWars\Arquétipos & Motivos

Luke Skywalker – O Herói
Darth Vader\Darth Sidious – A Sombra
Obi-Wan Kenobi – Mentor, Velho Sábio
Yoda – Mentor, Velho Sábio
Han Solo – Guerreiro, Mercenário
Princesa Léia – A Anima na psique masculina
Os Jedis – O Animus (imperativo moral inconsciente)
Sabre Laser - Arma mágica
Chewbacca\Ewoks - Animais mágicos
Droids - Os auxiliares mágicos
A Força - Maná (energia psíquica)

Clique na figura para ampliar

Estudos Avançados: O Monomito e a Jornada do Escritor

Christopher Vogler, executivo do mundo do cinema e roteirista de Hollywood, fez uso da teoria do Monomito na criação de um memorando para os estúdios Walt Disney, que foi publicado com o nome de “A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica para Roteiristas”. Com esse livro, Vogler influenciou filmes infantis de grande sucesso como “Mulan” e “A Pequena Sereia”. Além disso, a estrutura foi utilizada pelos irmãos Wachowski na elaboração de “Matrix”.

Quem quiser se aprofundar mais em mitologia comparada e nos seus desdobramentos na literatura e na narrativa cinematográfica, pode consultar a bibliografia recomendada no final do post.

O trabalho de Campbell explica as conexões inesperadas entre as mitologias de diversos povos, nesse sentido seu trabalho é uma síntese explicativa. Por exemplo, podemos crer ou não crer na teoria dos arquétipos de Jung ou nas estruturas antropológicas do imaginário propostas por Gilbert Durand, ainda assim a obra de Joseph Campbell se mantém como uma chave para analisar o fenômeno do monomito posto em evidência pela mitologia comparada.

Bibliografia Recomendada

- O Herói de Mil Faces, Joseph Campbell
(livro que apresenta o Monomito: A Jornada do Herói)
- A Jornada do Escritor, Christopher Vogler
(livro que expande a Jornada do Herói para a narrativa literária e cinematográfica)

- O Poder do Mito, Joseph Campbell
- A extensão interior do espaço exterior, Joseph Campbell
- O Homem e seus Símbolos, Carl Gustav Jung
- Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Carl Gustav Jung
- A Energia Psíquica, Carl Gustav Jung
- A Morfologia do Conto Maravilhoso, Vladimir Propp
- As Estruturas Antropológicas do Imaginário, Gilbert Durand
- Mito e Realidade, Mircea Eliade

2 comentários:

  1. Ótimo artigo, o monomito explica muita coisa, é a fonte ou a fórmula que se usa nos filmes, RPGs, jogos de PC e literatura fantástica. A jornada do herói é algo que fascina o ser humano, talvez venha daí o grande desejo de construir narrativas ou mitos. Parabéns pelo artigo!

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    1. Obrigado. Sempre gostei de mitologia comparada.

      A obra de Joseph Campbell é fascinante, por colocar em evidência essas estruturas e fórmulas, comuns nos relatos de povos tão diferentes.

      Os episódios da trilogia original de Star Wars se encaixam perfeitamente no esquema do monomito, pois George Lucas foi fã declarado de Campbell.

      O problema são os prequels e os novos filmes de Star Wars, que não se enquadram no modelo do monomito de nenhuma maneira. Melhor teria sido uma história paralela contando a Jornada do Herói de Obi-Wan Kenobi, o mentor de Luke Skywalker.

      Os outros são bons filmes? Talvez sejam. Da minha parte, sou fã da trilogia clássica (IV, V e VI), Uma Nova Esperança, O Império Contra-Ataca e o Retorno do Jedi.

      Como asseverou Vogler, as pessoas tem uma tendência natural em comprar histórias que seguem a estrutura do monomito. Exatamente porque isso acontece ainda é um mistério, mas existem boas pistas.

      O que sai fora dessa estrutura pode muito bem servir para roteirizar filmes em Hollywood, mas não serve para adaptar a Jornada do Herói.

      Isso mostra um outro fenômeno interessante, o underground se tornando mainstream e perdendo sua essência.

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