quinta-feira, 18 de abril de 2019

A Ordem do Tempo


Seguindo o meu modus operandi, trago mais um livro de não ficção para recomendar para vocês. Anteriormente, aqui no blog, recomendei os livros "Um Universo que veio do Nada" de Lawrence Krauss e "Por quê?" de Mário Livio.

O meu método de recomendar livros é contextualizar com obras e mídias relacionadas (como fiz no post A Máquina do Tempo), assim como contextualizar com o mundo real quando se trata de um livro de não ficção. Algumas vezes vou apenas escrever uma resenha sucinta ou indicar o livro no final como complemento de um post.

Acredito que esse método flexível para recomendar livros desperta a curiosidade e agrega mais conteúdo do que somente produzir resenhas.

A Ordem do Tempo, obra do pioneiro da Teoria da Gravidade Quântica em Loop, Carlo Rovelli, é um livro fascinante que já li três vezes. Essa obra desenvolve melhor algumas das suas ideias mais desconcertantes que foram vistas na sua obra anterior "A Realidade não é o que Parece".

"O calor não pode passar de um corpo frio para um quente". 
  Rudolf Clausius

Rovelli sublinha que essa é a única lei geral da física que distingue o passado do futuro. Em virtude dessa lei, muito já se especulou sobre o aparente "fluir do tempo" e porque nunca observamos o tempo correr para trás. Os físicos teóricos tem um dom para resumir tudo com muita densidade de informação, colocando a ênfase no que realmente importa.

Todas as teorias da física, que não incluem a transferência de calor, são reversíveis no tempo.

A estranheza vai começar...
 
O autor, Carlo Rovelli, com o seu fã "Dr. Estranho", o ator e geek declarado, Benedict Cumberbatch

Não existe um presente único

O que está acontecendo agora na estrela Sírius?

Carlo Rovelli diz que essa pergunta é um contrassenso, tal como perguntar qual o número de cestas realizada pelo seu time preferido na última partida de futebol.

Na geometrodinâmica, uma linha em velocidade infinita conecta quaisquer dois pontos com simultaneidade absoluta. A velocidade infinita não tem sentido físico, logo também não há sentido físico na simultaneidade absoluta.
A noção de presente só vale para coisas próximas num raio de alcance limitado pelos cones de luz dos eventos. Na geometria hiperbólica, é a velocidade da luz que concatena os eventos físicos num todo coeso em quatro dimensões.

O tempo próprio de cada observador funciona bem de acordo com o nosso senso comum, um viajante espacial cruzando o espaço a 50% da velocidade da luz pode acordar, tomar café da manhã, almoçar e seguir suas atividades conforme seu ciclo circadiano biológico.

Numa nave espacial com uma velocidade constante de 99.99999% da velocidade da luz o viajante poderia fazer as mesmas coisas que faria normalmente se estivesse caminhando na superfície do nosso planeta.

Na velocidade de 0.9999999 c, o passageiro avança 299792,428 Km no espaço por segundo.

Devido ao fator 2236 de dilatação temporal, os relógios da nave e de quem ficou na terra, não terão o mesmo ritmo.

A razão t'\t, será de 1 segundo, medido no relógio da nave no tempo t', para cada 2236 segundos no relógio de quem se mantém em repouso no tempo t.

Isso significa que para cada ano a bordo da nave espacial se passariam 2236 anos para quem ficou na terra. O ocupante da nave estaria viajando no espaço e também para o futuro (da nossa civilização).

O tempo sempre parece correr para frente, o que muda de um referencial para o outro é a taxa em que o tempo avança. Quanto mais rápido a velocidade do referencial está em relação a nós, mais parece que o tempo de quem se move transcorre lentamente quando comparado com o nosso tempo em repouso.

Essa é uma maneira aproximada de descrever o que acontece. Para descrever fisicamente os eventos da maneira correta devemos usar a geometria hiperbólica do espaço-tempo de Minkowsky.


A desconstrução do tempo

Nos primeiros capítulos do livro, o autor de A Ordem do Tempo desconstrói o tempo e o que resta em seu lugar é uma sombra vaga do tempo do nosso senso comum.

As características contraintuitivas do tempo:

- o tempo é relativo
- não existe um presente único
- a causalidade não é fundamental
- a seta do tempo e a entropia estão ligadas
- o tempo não é contínuo  (especulação)
- o tempo não é  fundamental (especulação)

Unidade quântica de tempo (tempo de Planck)
 
Se a especulação de Rovelli estiver correta, como os proponentes da Teoria da Gravitação Quântica em Loop pensam, então o tempo não transcorre continuamente, mas avança aos saltos.

Como o piscar de uma lâmpada, a cada segundo, décimo de segundo, centésimo de segundo, milésimo de segundo, milionésimo de segundo, bilionésimo de segundo, trilionésimo de segundo, cada vez um tempo mais curto, até chegar no séptilionésimo de segundo e além.

Um séptilionésimo de segundo ou yocotosegundo (ys) vale 0,0000000000000000000000001 segundo.

O tempo de Planck é aproximadamente 0,00000000000000000054 ys.

É um tempo incrivelmente ínfimo. Em segundos, são 42 zeros a esquerda antes de inserir os 2 algarismos significativos do final.

Conforme a teoria LQG (Loop Quantum Gravity), todos os intervalos de tempo, das transições ultracurtas de elétrons nos átomos até eras geológicas e eventos cósmicos, são múltiplos desse quanta elementar.

Como comparação, o menor valor usado como referência de tempo numa experiência de laboratório foi o zeptosegundo, que equivale a aproximadamente 185 (...20 zeros!) tempos de Planck. Ainda falta uma considerável evolução tecnológica para que os instrumentos de medida de tempo possam chegar perto de medir duas ou três unidades do tempo de Planck, confirmando ou descartando a quantização do tempo experimentalmente.

Isto é, se algum dia no futuro um intervalo menor que o tempo de Planck for medido, a teoria inteira seria descartada, pois um dos postulados da Teoria da Gravitação Quântica em Loop é que não existe um intervalo de tempo menor que o tempo de Planck.


O tempo não existe?

Se para Carlo Rovelli o tempo comum do cotidiano não existe, sendo necessária uma readequação ontológica, para o físico Julian Barbour o tempo em si não existe!

Não é preciso explicar porque essa ideia herética não é popular entre os cientistas e permanece como física underground, beirando a ficção científica. :)

Julian Barbour tenta dissolver o tempo no total de todas as configurações de partículas elementares e campos de força, cada configuração única é um quadro instantâneo desse total.

"O agora" seria simplesmente um desses quadros, exageradamente empobrecido pela nossa falta de informação sobre o universo.

Esse fim do tempo proposto por Barbour lembra a Floresta Vermelha e a cidade Titan do seriado 12 Monkeys do SyFy.

Não tenho uma opinião formada sobre o tempo, mas logo de saída escolho uma posição filosófica mais pragmática.

Qual seria o nosso ganho em saber que o tempo não existe como defende Julian Barbour?  Se fosse verdade, poderíamos pelo menos desligar a ilusão e contemplar a existência sem o tempo?

Ora, pelo que sabemos a inexistência do tempo só pode ser viabilizada através do raciocínio matemático. Não podemos dominar o tempo e forçá-lo a se mostrar inexistente. (esse sim, um feito espetacular)

Se podemos transitar livremente entre o tempo comum do cotidiano e o tempo da física avançada, obtendo como bônus novas tecnologias, então prefiro essa alternativa defendida por Rovelli.

4 comentários:

  1. Interessante nos questionarmos sobre coisas que aparentemente já estavam consolidadas sobre o tempo, é uma perspectiva revolucionária que nos faz ver além do véu da ilusão e entender como esses fenômenos ocorrem. Embora o Brasil esteja estagnado em relação as pesquisas científicas, percebemos que a ciência caminha a passos largos no resto do mundo.

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    1. A ciência básica precisa de mais investimentos, bem como a educação de qualidade.

      A cientista brasileira Suzana Herculano Houzel, pioneira no estudo da anatomia cerebral que fixou o número médio de neurônios cerebrais humanos em 86 bilhões não foi valorizada e teve que deixar o Brasil.

      Recomendo A Ordem do Tempo, ele é bem escrito e mostra como podemos ir longe quando a curiosidade é guiada pelo estudo.

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  2. No imediatismo atual pouco se recorre a bons livros como esse, livros sobre a ciência e as últimas teorias científicas. Realmente o que tu escreveu estimula nossa curiosidade sobre esse livro do Carlo Rovelli, que com certeza entrará para minha lista de livros favoritos para leitura.

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    1. O imediatismo e a superficialidade, se alastraram tanto na Internet que temos que fazer da divulgação da Cultura de qualidade a nossa missão.

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