sábado, 22 de junho de 2019

Armadilhas Mentais: Fake News

Os vieses cognitivos que distorcem a interpretação da informação podem ser estudados em detalhes pela Psicologia Cognitiva e Comportamental.

Seres humanos, na maioria das vezes, interpretam as situações que exigem muito senso crítico de um modo completamente errado. A armadilha mental das notícias falsas opera através da exploração do viés cognitivo mais insidioso da retórica publicitária.

O argumento ad populum na cultura popular

A cultura popular no Brasil está contaminada com toda a sorte de falácias lógicas, dentre as quais o apelo à popularidade é apenas uma das falácias mais notáveis.

Talvez a distorção na percepção das probabilidades possa explicar as contradições e inconsistências nas notícias que mencionam o famigerado Teorema do Macaco Infinito na internet brasileira e em revistas periódicas do Brasil como a Superinteressante.

Porém, pode haver algo mais grave aí, algo como uma falta de rigor generalizada com notícias engraçadinhas da cultura popular. Algum conformismo velado entre jornalistas, blogueiros e internautas do tipo "se esse assunto não é sério, então não merece respeito".

Nota aos incautos:
Se vender uma notícia,  for mais importante do que reportar a notícia em si, a retórica publicitária usará sem nenhum pudor a falácia ad populum para falsificar a notícia real.

A armadilha mental do apelo à popularidade não é nada mais e nada menos do que a semente insidiosa da maioria das fake news produzidas no mundo que germinam no ambiente da rede mundial de computadores.

Vamos apresentar dois exemplos de falta de rigor no jornalismo brasileiro em notícias que mencionam o Teorema do Macaco Infinito. (existem vários outros)

1) Matéria na Superinteressante:
"Ele diz que, se você tiver uma quantidade infinita de macacos e máquinas de escrever, eventualmente os bichos acabarão escrevendo algo tão bom quanto Shakespeare – por pura tentativa e erro. É uma das teses mais conhecidas, e divertidas, da ciência da probabilidade."

Tese conhecida por quem? Certamente não pelos jornalistas que nem sequer enunciam o teorema corretamente.

O texto menciona uma quantidade infinita de macacos, algo que não aparece na descrição padrão do teorema do macaco infinito. Mais uma inconsistência ou como se diz no popular, o estagiário "trocou as bolas".

2) Matéria no EL PAÍS:
"O argumento faz referência a uma questão abordada há um século no cálculo de probabilidades. Claudio Horacio Sánchez recorda um de seus enunciados mais conhecidos: Se um milhão de macacos teclassem ao acaso em um milhão de máquinas de escrever, depois de um milhão de anos eles teriam escrito todas as obras de Shakespeare."

Nesse texto, o tempo infinito do enunciado do teorema original está em contradição com o tempo finito de um milhão de anos recordado por Sánchez. Relaxem, afinal Sánchez se enganou apenas "um pouquinho".


Corolário do Teorema do Macaco Infinito:
Os primeiros 20 caracteres do texto de Hamlet não podem ser obtidos por digitação aleatória. Muito menos todas as obras de Shakespeare podem ser obtidas dessa forma.

A notícia errada no El País, dizendo ser possível escrever livros aleatoriamente, continua lá desde 3 de Maio de 2015, sem retificação e sem errata a mais de quatro anos. Mesmo com a desculpa de ser uma matéria patrocinada pela FOX para a publicidade dos Simpsons aqui no Brasil, erros grosseiros como esse não deveriam ser tolerados.

E o mais hilário disso tudo é que os que escrevem sobre o assunto se eximem de explicar aos leitores o enunciado correto do Teorema do Macaco Infinito apelando para uma retórica que destaca como o assunto é bem conhecido.

Os redatores usam frases como "é uma das teses mais conhecidas e divertidas da ciência das probabilidades" ou "fulano recorda um de seus enunciados mais conhecidos".

Destacar retoricamente que um assunto é conhecido, não exime o argumentador de prestar esclarecimentos e provar que sabe o que diz saber. No jornalismo, a Lógica deveria ter mais valor do que a Retórica.

Desvendando o mecanismo publicitário (falácia Ad Populum)
- Você duvida que eu sei sobre X?
- Sim, duvido.
- Se o povo sabe sobre X, então eu que faço parte do povo também sei sobre X.
- E o que você sabe sobre X?
- Veja bem, se o povo diz Y de X, então é verdade que podemos dizer Y de X.

A variável Y pode ser qualquer falsidade sobre X que o sofista vende como verdade da cultura popular, em casos extremos o sofista fabrica um consenso popular fictício.

Substitua X por qualquer coisa, o Teorema do Macaco Infinito, o Teorema de Pitágoras ou a identidade secreta do Pato Donald e você terá a mesma armadilha mental.

O objetivo principal desse jornalismo rasteiro parece ser tão somente associar uma matéria qualquer de interesse a algo que é famoso na cultura popular para conseguir promover melhor a notícia, nada mais do que isso. Vender a notícia é mais importante do que reportá-la.

Infelizmente no Brasil, a retórica publicitária com seu arsenal de armadilhas mentais, consegue se sobrepor ao dever cívico do jornalismo de instruir e educar a população.

Explicação correta do Teorema do Macaco Infinito (post) 

4 comentários:

  1. Muito bom, parabéns pelo post, realmente um serviço de utilidade pública, nesses tempos conturbados no Brasil nem uma revista famosa como superinteressante escapou desse jornalismo pífio e feito nas coxas e a facão.

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  2. A publicidade é o canto das sereias da nossa era, a arapuca mental prende atenção dos navegantes incautos da web e os leitores de jornais e revistas. Alguns acabam virando canais de transmissão da notícia falsa. Vivemos numa época em que infelizmente a maquiagem que se faz da notícia se torna mais importante do que a notícia em si. O post serve como aviso aos navegantes: a internet está cheia dessas armadilhas: informações distorcidas e teorias deturpadas de modo pueril, distorções realmente primárias que deveriam ser incabíveis em revistas e jornais de alta circulação no Brasil ou na América Latina. A falácia do ad populum (apelo à popularidade) é a mais notável e a mais tosca da história da humanidade.

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    1. Perfeito. Você entendeu bem o post.

      É uma falácia que é inimiga da educação de qualidade, pois uma educação de qualidade promove o senso crítico necessário para detectar o erro de lógica.

      Quem utiliza essa falácia com interesses escusos conta com a ampla ignorância da população, para muitos a vantagem de uma massa de manobra já constituída não é suficiente. Essas pessoas agem como se torcessem pela ignorância, desse modo podem não ter rigor algum em seus escritos e nem serão cobrados, movimentando a indústria dos views e likes.

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