"Os Limites da minha linguagem, são os limites do meu mundo". A frase célebre do filósofo da linguagem Ludwig Wittgenstein, destaca o papel sui generis da linguagem na filosofia e na ciência.
A Física é a linguagem da Natureza. Os limites inteligíveis do Cosmos requerem uma linguagem de nível superior, ou seja, requerem uma Metalinguagem da Física.
Sou especialmente fascinado pelo mistério que concatena a linguagem matemática com a linguagem física. Desde Pitágoras o ser humano se debate sobre esse tema, sem encontrar um caminho seguro para seguir.
Pretendo revelar neste ensaio um caminho seguro a ser trilhado pela especulação na física teórica, no que tange a surpreendente inteligibilidade do universo através da linguagem matemática.
Universos paralelos de pura matemática
A teoria radical do físico teórico Max Tegmark nos diz que tudo que é matemático sem exceção tem uma realização na natureza de algum modo, mas é importante frisar que ele não explica e nem se preocupa em explicar que modo de existência é esse. Isso lembra muito o mundo sobrenatural das ideias da filosofia de Platão, Tegmark apenas eliminou o caráter sobrenatural das ideias e naturalizou todo o universo racional.
A ideia de Tegmark é que existem infinitos universos paralelos inabitados, onde existem somente figuras geométricas e entes matemáticos que se parecem com mundos de videogame educativos para crianças. Alguns universos nem sequer contariam com figuras geométricas, sendo constructos abstratos invisíveis e intangíveis.
Somente os universos com estruturas matemáticas semelhantes ao nosso teriam realizações físicas semelhantes. Para Tegmark a matemática que suporta nosso universo não tem nada de especial a não ser a capacidade de gerar vida complexa e inteligente, algo que julgamos importante devido a nossa bagagem cultural.
Porém, segundo muitos físicos teóricos, outros universos com outros conjuntos de leis físicas poderiam ter vida mais complexa e mais inteligente. Alguns teóricos chegam a especular universos mais propícios para a vida baseada em carbono somente utilizando a física quântica conhecida e supondo mudanças nos valores das constantes físicas.
O livro de Tegmark, Nosso Universo Matemático, é mais uma provocação filosófica do que um livro de ciência. Ainda assim, acho válido o tipo de reflexão que ele instiga.
Saindo do labirinto epistemológico da física matemática
O matemático Ian Stewart apresenta um excelente candidato para o "fio de Ariadne" no labirinto epistemológico que é a física matemática, algo que pode nos revelar a porta da saída e a resolução do enigma.
No seu excelente ensaio Simetria: O fio da realidade, o autor sugere que assim como ocorre nas mudanças de estado físico da matéria, a passagem da matemática pura para a matemática aplicada é algum tipo de quebra de simetria. Particularmente, acho a ideia de Stewart muito promissora e lógica, uma ideia que vou investigar nos meus ensaios.
Especulando um pouco mais adiante eu ouso dizer que talvez exista um estado supersimétrico que pode ser a chave para a Teoria de Tudo. A indiferenciação de entes potenciais é o máximo de generalidade suportado pelo formalismo da linguagem científica.
É a melhor hipótese que consigo imaginar como alternativa para a famigerada hipótese do multiverso, uma alternativa teórica que pode justificar porque este universo que observamos é o único que existe.
A chave está na linguagem. Uma metalinguagem da natureza acima da linguagem da física ordinária pode socorrer a Cosmologia e pode resolver a simetria física da realidade, esclarecendo os pontos obscuros das teorias físicas.
A criatividade embutida nas leis da natureza tem um caráter absoluto, óbvio que não falo em criatividade em sentido antropomórfico, pois me refiro a potencialidade de um universo otimizado para produzir complexidade.
É um caráter absoluto porque o "código do universo" não permite edições, não existe uma função Trace para revisar o fluxograma do universo e corrigir códigos errados ou melhorar o código. Em outros níveis, abaixo das Leis da Física, outras linguagens, como a estrutura das bases nitrogenadas do DNA, permitem um aperfeiçoamento progressivo no tempo, nos levando a crer que na Terra primitiva, antes do DNA, existiu um sistema menos eficiente no processamento de informações biológicas.
Essa constatação aparentemente pueril, nos diz muito e nos indica um caminho diferente da especulação do multiverso, nos diz que não há espaço para escolhas ou rascunhos quando se trata da linguagem utilizada pela natureza para transformar o potencial em atual.
A sensação que podemos mudar as leis da física e obter outros universos deve ser mera ilusão, uma ilusão de arbitrariedade produzida pela nossa ignorância e pela incapacidade de ver em detalhes na mesma resolução que é exigida pela "placa gráfica" do universo físico.
O universo é como um videogame com "requisições recomendadas" situadas muito além da nossa capacidade, por isso as nossas teorias distorcem a realidade, acabamos enxergando a natureza através do filtro de configurações mínimas da linguagem científica. Conhecemos somente aquilo que podemos conhecer e que nossas teorias e ferramentas cognitivas permitem que conheçamos.
O que julgamos ser valores arbitrários de constantes físicas são os únicos valores que podem existir, a nossa ignorância do funcionamento do universo fabrica a ilusão de que as constantes naturais permitem outras escolhas, algumas até melhores do que as atuais.
Prefiro pensar que o antropocentrismo é o culpado por levarmos a hipótese do multiverso a sério, um antropocentrismo disfarçado como imparcialidade e como isenção de bagagem cultural. Nós, os seres humanos, podemos escolher, fazer planos, traçar metas, corrigir textos, apagar trechos, editar partes, aperfeiçoar conclusões e finalizar ensaios. Projetamos na natureza inanimada esses mesmos valores e intenções.
Seria divertido se o universo físico fosse editável através dos multiversos e que poderíamos visitá-los como bem entendêssemos como vemos na ficção científica, mas seria muito maçante se os diferentes universos fossem inalcançáveis e incomunicáveis entre si como garantem as teorias cosmológicas mais debatidas atualmente.
Leibniz foi ridicularizado por Voltaire por afirmar "Vivemos no melhor dos mundos possíveis". Contudo, podemos salvar o dito de Leibniz, se entendermos que o melhor mundo possível é o mundo que se realiza fisicamente.
Não existem universos paralelos ao nosso simplesmente porque a existência física é uma estrutura matemática única com um conjunto único de simetrias quebradas.
Em suma, simetria plena = ideal, simetria parcial = real. É o resgate através de argumentos mais modernos e científicos, da velha concepção platônica de que a natureza é uma cópia menos perfeita de um mundo ideal perfeito.
Concluindo: Os mundos possíveis de Leibniz são mundos de matemática pura que existem potencialmente, enquanto o melhor mundo possível só pode ser aquele que existe fisicamente.
- Tratactus Lógico-Philosophicus, Ludwig Wittgenstein
- Uma História da Simetria na Matemática, Ian Stewart
- Ensaio "Simetria: O fio da Realidade", Ian Stewart;
publicado no livro "As Coisas são Assim", página 263
- Nosso Universo Matemático, Max Tegmark
- A Realidade Oculta, Brian Greene
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