"Ter a mente aberta" para teorias radicais se tornou descolado hoje em dia, tudo graças ao banimento filosófico do não-ser. As diversas especulações filosóficas que afirmam que todas as alternativas se realizam se baseiam em alguma variante do princípio de fecundidade de Robert Nozik.
Por outro lado, Platão no seu diálogo O Sofista já falava dialeticamente sobre o jogo de alternâncias do ser e do não-ser na natureza. Na filosofia de Platão, as escolhas que a natureza não fez coexistem no mesmo universo e fazem parte de uma única trama, uma mesma urdidura de um tecido cósmico regrado e coerente.
Neste ensaio, não irei discorrer sobre o não-ser da filosofia de Parmênides, quando mencionar o termo <<não-ser>> estarei me referindo ao valor <<falso>> da lógica ordinária que remete indiretamente aos escritos de Platão.
A Negação do Não-Ser
A crença em multiversos lembra alguém entretido na atividade lúdica de montar um quebra-cabeça e que descarta peças que não se encaixam julgando que tais peças fazem parte de outro quebra-cabeça, um "outro mundo" tão ou mais complexo que o quebra-cabeça original.
Nós somos feitos por tudo que o universo não é da mesma forma que somos feitos por tudo que o universo é. A realidade se manifesta através das alternâncias do ser e do não-ser, entretanto, o não-ser quando interpretado de forma equivocada produz uma profusão incontrolável de mapas sem os respectivos territórios correspondentes.
A operação de rejeição lógica p|q
Se duas propriedades (p, q) não ocorrem juntas no mundo dizemos de forma abreviada p|q que lê-se "p rejeição q". Um mundo inteiro não deve ser pressuposto e mapeado somente para validar p|q, pois com exceção da lógica dos mundos possíveis esse tipo de raciocínio é incoerente.
Outra forma alternativa de dizer que p e q não ocorrem juntas é através da fórmula ~(p.q) = ~p.q v p.~q v ~p.~q.
A mesma proposição quando expressa na sua forma normal disjuntiva deixa claro como o não-ser lógico expresso pela negativa ~(p.q) é equivalente a rejeição p|q.
Seja c a velocidade da luz.
O intervalo de velocidade fechado [0, c] é estruturalmente diferente do intervalo aberto entre ]c, infinito[. O primeiro intervalo pode ser fracionado num número finito de vezes e o segundo não.
Sejam as proposições atômicas:
p: o intervalo de velocidade ]c, infinito[
q: a natureza finita
E seja a seguinte proposição verdadeira:
~(p.q) = p|q = o intervalo de velocidade ]c, infinito[ é incompatível com a natureza finita.
Essa proposição negativa está inclusa na explicação científica do mundo e não é lógico supor mundos alternativos onde a velocidade pode ser maior do que c de forma contínua até um limite superior infinito. A moral da história é que não podemos compatibilizar qualquer coisa que imaginamos e desejamos com a natureza.
As escolhas que a natureza não fez formam um conjunto de expressões lógicas negativas que permite a descrição complementar do mundo natural através do não-ser.
O exemplo das linguagens formais ilustra bem o funcionamento do esquema cognitivo linguagem-mundo. Podemos verificar como as diversas lógicas (modal, deôntica, epistêmica, trivalente, multivalente, difusa, paraconsistente e etc.) multiplicam os mapas da realidade e as maneiras de descrever a mesma coisa, revelando um fenômeno intrínseco à cultura e à cognição humana.
Nas linguagens lógicas ou nas linguagens de programação, um mesmo problema admite várias descrições diferentes e não é sensato pensar que cada descrição cria um problema diferente para ser resolvido.
O paradigma correto que deve guiar a atividade científica é um mundo, com muitas linguagens e não uma linguagem, com muitos mundos. A Cosmologia deve ter a lucidez de resgatar o não-ser como uma peça imprescindível desse quebra-cabeça que chamamos realidade.
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