quarta-feira, 6 de maio de 2020

Psicologia, Marketing e a Cultura do Consumo

A Psicologia entra no Marketing a partir do estudo do comportamento do consumidor, fundando a chamada Psicologia do Consumo, que é a base central da publicidade e propaganda. A Psicologia do Consumo foi à aplicação da Psicanálise, Psicologia Comportamental e Psicologia Cognitiva para estimular o consumo e estudar a fundo o consumidor, induzindo a uma nova mentalidade que resultou na criação da cultura do consumo. Esse uso da psicologia sempre foi muito criticado por profissionais da psicologia e sociologia, por ser considerado uma psicologia social perversa ou uma psicanálise as avessas, que acaba por  transformar as pessoas em mercadorias.

Porém, a veiculação de anúncios e mensagens persuasivas passaram a dominar ainda mais o cenário dos grandes centros urbanos, o rádio, a televisão e a internet. Esses anúncios e mensagens são utilizados por empresas, agências do governo, ONGs ou indivíduos que buscavam informar ou persuadir determinado nicho de mercado acerca de seus produtos, serviços, organizações ou ideias. Buscam através de estudos científicos, antecipar as necessidades e desejos de mercados selecionados de maneira a satisfazê-los melhor do que seus concorrentes. 

Um exemplo atual da aplicação dessas teorias são as postagens persuasivas em massa, calculadas para obter determinada reação nas pessoas ou convencê-las de ideias que nem sempre são benéficas ou verdadeiras e muitas vezes não passam de  Fake News. Em tempos de redes sociais precisamos construir mesmo é um microscópio perceptivo e analítico das informações que nos chegam, um filtro de informações, fazendo a velha e boa leitura crítica da informação para não sermos manipulados por esse "canto das sereias" feito pela parceria entre mercado e governo que nos estimula a compulsão por consumo e más escolhas políticas.

A Psicologia Comportamental é uma abordagem centrada nos estímulos ambientais que se tornou excelente ferramenta para produzir e reforçar ações e respostas desejadas pelos marqueteiros do mercado ou da política, pois age nos instintos mais básicos, entendendo a psique como um mecanismo que aprende a responder a estímulos e reforços associando-os a premiações e punições:

“O que conta é planejar e modelar o estímulo que levará as pessoas a respondê-lo da maneira adequada. Então, assim como as pesquisas demonstraram que cachorros podem ser condicionados a salivarem com toques de campainhas – simplesmente pelo modo como eles foram alimentados – a psicologia ensinou aos mercadores dos grandes negócios que a manipulação cuidadosamente planejada do estímulo pode produzir associações mentais extremamente fortes e eficientes que induzem às ações desejadas por aqueles.” (Fontenelle, 2008, p.147).

Os conceitos psicanalíticos também foram amplamente usados no estudo do consumidor, sobretudo por Dichter (1960) que analisou como os indivíduos tendem a projetar valores e crenças em objetos, figuras de autoridade ou líderes. A teoria da insatisfação e falta permanente foi bastante utilizada pelo marketing na tentativa de criar produtos que satisfizessem temporariamente essa falta. Mas o que eles não anunciavam em suas propagandas é que essa falta é estrutural, uma das características mais básicas das pessoas e da própria vida e por isso nunca poderia ser preenchida permanentemente.

Para entendermos a influência desses estudos, basta percebermos as mudanças que marcas como Coca-Cola, Mcdonald's ou Nestlé fizeram na sociedade, na rotina de comer e beber, fazendo uso da publicidade para influenciar sentimentos, opiniões e crenças sobre esses produtos. Poderíamos dizer que eles criaram um estilo de vida, construindo de maneira calculada o desejo das pessoas em relação aos seus produtos.

Edward Bernays, fundador da disciplina de relações públicas, sobrinho de Freud, tinha por objetivo à criação de uma cultura capaz de produzir consumidores, através da produção do desejo. Só que a produção de consumidores nunca teria dado certo sem a participação da política, houve uma parceria entre mercado e governo que usa a desculpa de defender os princípios democráticos, mas na verdade sustenta uma ideologia, uma ilusão de “livre escolha”.

“Quando a indústria de tabaco abordou Bernays, perguntando-lhe se ele via um meio de fazer as mulheres fumarem, Bernays assumiu o desafio sem hesitar. O cigarro, explicou ele, era um símbolo fálico, e as mulheres se disporiam a fumar se vissem no cigarro um meio de se emanciparem simbolicamente da dominação masculina. O cigarro havia-se tornado então o símbolo da emancipação feminina.” (Fontenelle, 2008, p.150).

Porque determinados líderes genocidas continuam sendo seguidos e admirados, mesmo depois de cometerem diversas atrocidades ou depois de se tornarem ditadores? Bernays, concluiu com seus estudos, que a mente grupal não pensa, mas funciona por impulsos, hábitos e emoções, o chamado "efeito manada". As propagandas e anúncios tentam fazer com que as pessoas não pensem muito e tomem decisões impulsivas. A psicologia voltada para o estudo e a produção do consumidor, realiza também a construção política de uma mentalidade de consumo e por isso é considerada uma psicologia social perversa e uma psicanálise as avessas.

Referências:

Fontenelle, I.A. 2008. Psicologia e Marketing: da parceria à crítica. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, n. 2, 2008.

Zygmunt Bauman. Vida Para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar 2008. 

Silva, A.B.B. Mentes Consumistas: do consumo a compulsão por compras. São Paulo: Globo, 2014.

4 comentários:

  1. A "falta estrutural", o vazio existencial humano ou a busca de sentido já foram tema de muitos filmes e livros.

    A publicidade mais agressiva explora isso, criando uma rede de associações entre o indivíduo consumidor e os potenciais produtos que pode ter interesse e que podem ser consumidos.

    Num certo sentido, fazer parte dessa psicoterapia reversa das massas, não é apenas experimentar fazer parte da manada, mas também ir se despersonalizando pouco a pouco. Nossos metadados são moeda de troca, mas para os sistemas de computador nós não somos indivíduos, somos classes de indivíduos e "perfis".

    Não condeno o sistema como um todo, sei que parte disso é necessária para impulsionar as tecnologias mais fantásticas como as que vemos nos filmes, porém parte desse sistema não está de acordo com os valores humanos. E precisamos deixar isso bem claro, não é a tecnologia que torna as pessoas ruins, corrompidas ou desajustadas, ela só amplifica o que sempre existiu.

    As pessoas não são obrigadas a usar ou fazer mau uso das ferramentas tecnológicas, elas o fazem porque querem, porque são incitadas nos bastidores pelos estratagemas publicitários. A única defesa é não tecnológica, é a instrução old school.

    Não devemos nos intoxicar de tecnologia, devemos cultivar o senso crítico e nossas opções de lazer e cultura, para além do alcance e influência da Psicologia do Marketing.

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  2. Exatamente isso! A publicidade agressiva despersonaliza sim, porque é quase uma hipnose sugestiva, semeia a ilusão, explorando instintos mais básicos, transforma as pessoas em números para alcançar os seus lucros e objetivos pessoais.


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    1. Podemos confirmar de forma ilustrativa o que tu disse vendo a sensacional série Mad Men da Netflix. Pra quem gosta de uma perfeita reconstituição de época dos anos 60 e boas interpretações dos atores a série é um prato cheio, ainda mais durante essa pandemia.

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    2. Ótima dica! Realmente uma alegoria perfeita do que expus nesse artigo.

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