quinta-feira, 14 de maio de 2020

Armadilhas Mentais: Retórica

Os vieses cognitivos que distorcem a interpretação da informação podem ser estudados em detalhes pela Psicologia Cognitiva e Comportamental.

Seres humanos, na maioria das vezes, são convencidos por conversas insidiosas que superficialmente parecem lógicas, mas que apresentam falácias e contradições. A armadilha mental da retórica burla a lógica e o senso crítico, induzindo a aceitação irrefletida de opiniões espúrias que não contam com o respaldo científico.
A ignóbil imitação da Lógica

A palavra retórica se origina do grego rhetoriké e significa a arte da argumentação e da persuasão. Os oradores, também chamados de retores, usam de várias técnicas cuja principal se baseia na verossimilhança do discurso que é a característica de parecer ser verdadeiro ou imitar a verdade, para convencer as audiências.

Um bom orador, como um advogado num tribunal, consegue convencer o júri da inocência de um cliente culpado ou inversamente um promotor público inescrupuloso que escolheu a Retórica ao invés da Lógica como seu guia pode acabar penalizando uma pessoa inocente.

Ao contrário da Lógica que é a ciência do discurso verdadeiro, as premissas retóricas podem ser um constructo misto de premissas falsas e verdadeiras, intencionalmente e deliberadamente confusas, das quais coisas falsas e verdadeiras podem ser deduzidas, sem nenhum critério científico ou álgebra exata.

Enquanto a Retórica se associa diretamente com a ideologia, a Lógica se associa sempre com o conhecimento. Por isso a maioria dos argumentos ideológicos são argumentos retóricos que colocam a persuasão acima da razão e do conhecimento científico.

A erística é uma modalidade mais agressiva da retórica que trata da arte de discutir e sempre ter razão. Macetes, frases prontas e outros ardis linguísticos fazem parte da erística, que redundam no combate descerebrado de ideologias.

Não se vence uma ideologia através de outra ideologia, somente apedeutas enxergam o mundo como um combate de ideologias, como se a Lógica e a Ciência não existissem no mundo e não fossem ligadas a verdade. Qualquer ideologia só é vencida através da Lógica que promove o raciocinar verdadeiro. Enquanto uma ideologia qualquer se dizer mais lógica do que outra sem o ser, estaremos sempre no campo da erística, jamais no campo da Lógica.

Na Grécia antiga, tais retores eram também chamados de sofistas; os que tentam argumentar e sempre ter razão, mesmo utilizando gráficos falsos, indicadores desonestos e documentação falsificada para promover e tornar mais convincente um discurso falacioso a uma audiência ampla.
 
 Meios de Persuasão

Segundo Aristóteles, a persuasão é como uma demonstração argumentativa, onde o interlocutor é convencido de que as premissas iniciais e tais e tais passos "lógicos" levam a uma determinada conclusão pretendida pelo orador. Cada discurso combina três apelos principais: o Ethos, o Pathos e o Logos.

Ethos: O primeiro macete da retórica é convencer o público que se tem autoridade pra falar de um assunto. Um político, não versado em biologia ou virologia, pode utilizar o fato de ser uma figura pública notável para se exibir como um pavão perante o público e com isso tornar críveis os maiores disparates e sandices.

Pathos: Consiste em apelar para a emoção, abalando a estrutura psicológica da plateia. Como bem exemplificado pela frase pronta "o remédio não pode ser pior do que a doença" que evidentemente causa mais impacto nas pessoas que estão sofrendo "a doença". Ilustrando no contexto da pandemia de Covid 19, o argumento apela ao sofrimento das classes mais baixas diante das inseguranças ocasionadas no mercado de trabalho. Além disso, as evidências anedóticas e frases prontas amplificam um determinado discurso, impondo verossimilhança e transformando os algozes em messias salvadores.

Logos: Esse apelo da retórica é a imitação da lógica propriamente dita, utilizando uma mistura de meias verdades e premissas totalmente falsas. Esse ardil é quase como um teatro em que o sofista se disfarça de lógico e o ideólogo se disfarça de cientista; oferecendo gráficos, vídeos, estatísticas e até mesmo artigos científicos erroneamente interpretados.
O Falso Dilema

Alguns sofistas utilizam a falácia lógica do falso dilema para enganar seus interlocutores. Gerando dúvidas sobre raciocínios que antes foram demonstrados como verdadeiros e estimulando a confusão mental. Enquanto um dilema real deve envolver uma motivação ou razão bem definida e duas opções ou escolhas equânimes que tem o mesmo peso, o falso dilema não apresenta uma ou mais dessas estruturas.

Exemplo:
Situação: Pandemia de Covid-19 no Brasil
Motivação ou razão: O Bem Comum
Valor mais alto em jogo: A Vida

Questão: Como proceder para minimizar os danos?

Escolhas:
A) Isolamento Social até a curva de contaminação diminuir;
B) Liberação total do Comércio, após um curto tempo de interrupção inferior a dois meses.

O Sofista induz o público a pensar que (A) e (B) tem o mesmo peso e que um conflito de interesses não permite escolher entre as duas alternativas.

Só que essa retórica é falsa, não apenas podemos escolher sabiamente entre (A) e (B) como podemos justificar racionalmente nossa escolha.

Trata-se de um ardil ignóbil e ilógico pressupor que a opção (B) tem um peso similar a opção (A), pois a opção (B) realiza "o bem" de uma parcela restrita da sociedade que são os comerciantes e os empresários.

Como se fosse um truque de mágica, o sofista não deixa claro qual é a razão e qual é o valor mais alto que está em jogo. Ora, se a razão é o bem comum, então devemos considerar que o bem da maioria das pessoas, incluindo os médicos e enfermeiros que são aqueles que se expõem aos maiores riscos, só justifica a escolha da opção A.

Toda retórica é ilógica ou explora meias verdades, não devemos cair nesse engodo charlatanesco que promove a confusão e a desinformação.
A Retórica baseada na má interpretação dos fatos

Os argumentos insidiosos da retórica fazem uso de meias verdades ou verdades que são ditas num contexto diferente do que foi enunciado para eludir e mascarar opiniões subjetivas e achismos sem fundamento.

Para exemplificar argumentos insidiosos que manipulam a verdade ou utilizam meias verdades retóricas, apresento o exemplo abaixo.

Afirmação Falaciosa:
Sabemos que 70% da população vai contrair Covid-19, logo nada pode ser feito.

Contexto onde a meia verdade se originou:
Uma pesquisa de Harvard estimou que SE NÃO FOSSE TOMADA NENHUMA PROVIDÊNCIA, o total de pessoas contaminadas atingiria NO MÁXIMO 70%. É importante frisar que mesmo nesse contexto, o pesquisador corrigiu sua estimativa inicial para 60% no máximo.

Essa retórica envolve uma mistura da falácia de omissão dos dados com a falácia de tomar o efeito pela causa.

Afirmação falaciosa (falsa):
Sabemos que 70% da população vai contrair Covid-19, logo nada pode ser feito.

Afirmação lógica (verdadeira):
Se nada for feito, até 60% da população pode contrair Covid-19.

Quando realizamos a interpretação correta dos textos científicos, com as ferramentas cognitivas adequadas, podemos desmascarar qualquer tipo de retórica.

A retórica é uma das mais vis armadilhas mentais, nos colocando diante de ardis que enganam e confundem a tomada de decisões, impondo interesses escusos e ideológicos acima da vida humana e da ciência.

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