quinta-feira, 23 de julho de 2020

Um Multiverso Epistemológico II

Como vimos, um multiverso epistemológico somente é múltiplo com respeito as formas de conhecer e mapear o mesmo universo. É nesse sentido estrito que as diversas abordagens, conjecturas, teorias,  modelos epistêmicos,  entidades elementares, linguagens e universos são multiplicados. 

Assim como o infinito não existe na natureza, o multiverso também não existe; sendo a sua mera cogitação um efeito da ilusão epistemológica. Se eu for bem sucedido na minha explanação, o leitor será instigado a refletir que as múltiplas representações que surgem no estudo da natureza se referem a um mesmo universo ontológico.

(Esta segunda parte vai responder diretamente algumas perguntas formuladas no texto do ensaio anterior)

Pergunta: E isso faz sentido? Um sistema formal menos rico pode gerar outro sistema mais fértil?

Pode. Um sistema simples pode gerar um sistema mais complexo, desde que o sistema inicial funcione como uma semente para criar mais complexidade. 

Na matemática isso ocorre quase sempre, é a regra geral. Como exemplo, a teoria dos conjuntos e das funções servem para explicar boa parte da matemática, pois os outros campos da matemática são mais complicados do que conjuntos e funções.

Temos a impressão que conjuntos e funções são simples em oposição ao cálculo numérico, estatística, geometria diferencial e outros campos que parecem "complicados".

Contudo, essa constatação pode ser facilmente mal interpretada. A simplicidade formal (sistemas axiomáticos com grande poder de compressão segundo Chaitin) não é o mesmo que simplicidade cognitiva que é a capacidade do ser humano de lidar com linguagem de alto nível.

Sabemos, através da teoria das gramáticas formais, que linguagens simples servem de base para a construção das linguagens mais complexas, do mesmo modo que o código binário serve para construir qualquer linguagem de programação. Acontece que o código binário dos computadores, com todo seu potencial intrínseco, não é mais fácil de lidar do que as chamadas linguagens de alto nível como Basic, Fortran, Cobol, LISP, C++, Java e Delphi.

Além da ilusão epistemológica abordada no ensaio anterior, ainda nos iludimos por achar que o estudo da natureza  depende somente da matemática aplicada. Esse é um equívoco que está sendo desmentido pouco a pouco pela ciência moderna, pois temos boas razões para acreditar que a matemática pura tem um papel mais importante na Física do que parece numa análise superficial.

Já temos uma noção preliminar de que alguns dos campos que constituem os pilares da matemática pura como a teoria dos conjuntos, a teoria das categorias, a teoria dos grupos de simetria e as álgebras de divisão são essenciais para a física teórica. Isso significa que a Física e a Matemática parecem depender de autoconsistência mútua, o que implica que as necessidades da matemática também devem se manifestar como  necessidades físicas.
Jogo da Vida de John Conway
A matemática da Física é especial por ser uma matemática construtível e computável que age como uma semente empírica-formal capaz de gerar complexidade crescente.

A Teoria de Tudo dos autômatos celulares de Wolfram, segue por esse caminho. Wolfram imagina que a Física e a Matemática começam com processos baseados em autômatos celulares, sistemas algorítmicos que partem de regras simples e produzem complexidade crescente.

Alguém de posse do conhecimento dessa metalinguagem da natureza, poderia deduzir o universo físico como deduz o universo matemático, usando a teoria como um algoritmo para criar novas complexidades.
Pergunta: Será que de uma forma mais tortuosa a Física pode ser a origem da matemática pura para a qual ainda não encontramos nenhuma aplicação? 

Como sempre deixo subentendido nos meus textos, devemos compreender a expressão "metalinguagem da Física" como a linguagem código de máquina da Física.

Através de um raciocínio reducionista, a Física explicaria tudo, incluindo os problemas cósmicos mencionados num outro ensaio aqui no blog. Numa especulação mais ousada, podemos afirmar que a matemática aplicada na natureza poderia embasar um "código fonte" capaz de explicar toda a matemática pura do jeito mais difícil.  

Nesse panorama causal que não expressa o quadro completo, partimos da matemática aplicada da Física que existe como informação irredutível e independente do observador nas Leis da Natureza, até chegar nos seres inteligentes e nos agentes artificiais de aprendizado.

Não pretendi nestes ensaios dirimir todas as dúvidas sobre o tema,  mas sim destacar que apenas duas propostas principais resumem a problemática do Multiverso.


Eis as duas propostas:

Multiverso Ontológico (proposta de Max Tegmark)
Linguagem Metamatemática = Linguagem Metafísica
Matemática = Física

Multiverso Epistemológico (proposta da Física Digital)
Linguagem Metamatemática = Linguagem Metafísica
Matemática e Física tem autoconsistência mútua

Na comparação, a metalinguagem da Física e da Matemática se equivalem em ambas propostas; porém as metodologias e as finalidades de cada disciplina são mantidas distintas apenas no multiverso epistemológico.

Para saber mais:

Artigo essencial sobre Cosmologia e Física Digital
As Implicações de uma Informação Cosmológica, respeitando a Complexidade, a Informação Quântica e à Natureza das Leis da Física, Paul Davies
https://arxiv.org/abs/quant-ph/0703041

Porque a Interpretação de Muitos Mundos tem Muitos Problemas
Quanta Magazine, Philip Ball
https://www.quantamagazine.org/why-the-many-worlds-interpretation-of-quantum-mechanics-has-many-problems-20181018/

Livro definitivo sobre os Multiversos Ontológicos
A Realidade Oculta, Brian Greene

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