terça-feira, 11 de agosto de 2020

Em Busca de uma Matemática Naturalizada

A expressão matemática naturalizada traz em si um novo contraponto científico à doutrina das ideias, um caminho divergente da filosofia platônica que ousa afirmar que a matemática e a física dependem de autoconsistência mútua.

O Mundo das Ideias de Platão

É famosa a doutrina das ideias sobre o mundo das verdades eternas que existe por si, independente da natureza e acima dela e isso inclui o saber matemático. A maioria dos cientistas, embora não admita publicamente, crê que as teorias mais belas, juntamente com toda a sua matemática elegante e eficiente existem num mundo platônico sobrenatural só aguardando serem descobertas. 

A Dualidade Onda-Partícula

O momento canônico conjugado de um ente físico é obtido a partir da derivada do Lagrangeano pela derivada temporal da sua respectiva coordenada generalizada.

Momento generalizado n (número inteiro enumerável)
Coordenada generalizada φ (radianos\número real)

Incerteza número de partículas-fase da onda
Δn.Δφ >= 1 

Um número natural n para contar partículas e um ângulo real φ para medir a fase das ondas, nada poderia ser mais diferente e intuitivamente não relacionado, mas são dois números que estão ligados pela dualidade onda-partícula. Mencionei um exemplo pouco conhecido de incerteza de propósito para mostrar o alcance desconcertante da incerteza nas medidas dos observáveis físicos conjugados.

Contextos onde a Matemática se destaca

Um matemático certamente se irritaria com tanta filosofia naturalista e tanta matemática aplicada, alegando que a matemática pura é mais rica e mais fértil do que a matemática que se dedica a descrição da natureza. Ele tem razão segundo um determinado contexto e está completamente errado noutro contexto. No contexto onde fazer matemática é romper com os grilhões do mundo real, desconectar com facilidade os vínculos entre as variáveis e conceber infinitos potenciais e heurísticos, o arsenal da matemática pura é soberano. Porém, como veremos, o outro contexto em que a matemática se destaca está longe de ser mais simplório. 

A Missão da Ciência Física

A missão da Física é a busca da maior compactação possível de informação sobre a realidade, é essa realidade física que gera as condições de possibilidade para fazer matemática pura e não o contrário de modo algum. Os multiversalistas e os roteiristas dos seriados de ficção científica podem discordar veementemente, mas eu não me importo nem um pouco.

De forma grosseira poderíamos pensar ou sermos tentados a pensar que a matemática liberta e a física aprisiona, quando é justamente o contrário. Se aceitamos que dependemos de um conhecimento compacto sobre a natureza para tudo, a Física nos liberta da camisa-de-força mental que a matemática pura nos ajudou a construir.

Por mais que se discuta sobre a semântica da dualidade onda-partícula, ela se mostra verdadeira experimento após experimento e medida após medida, sendo um fenômeno real que se impõe como uma afronta persistente contra o senso comum e a nossa capacidade de explicação. 

Acontece que nossa capacidade de explicação deriva da evolução biológica, deriva dos desafios cognitivos enfrentados pelos nossos ancestrais simiescos nas savanas africanas a milhões de anos atrás. Biologicamente, não estamos preparados cognitivamente para entender a dualidade onda-partícula por mais real que ela seja; por mais próxima que ela esteja de descrever a realidade.

Uma reclassificação radical da Matemática

Se um conjunto de catedráticos decidisse hoje que toda a matemática aplicada existente, bem como os ramos indiretos que afetam a Física, incluindo os campos mais básicos e imprescindíveis da aritmética, álgebra e geometria e colocasse tudo isso sobre a rubrica genérica de <<Física>> não faria a menor diferença.

Desse dia em diante só chamaríamos de <<Matemática>> as descobertas da matemática pura que  ainda não encontramos aplicação imediata no mundo real.

O argumento prova que tal diferenciação não é objetiva, é carregada de bagagem cultural e arbitrariedades humanas. A ilusão epistemológica explica esse viés cognitivo, quando multiplicamos os "mapas" sem nenhum compromisso ontológico com os "territórios".

Os físicos teóricos não devem ser repreendidos por fazerem matemática pura enquanto exploram novas fronteiras do saber matemático; porém a fronteira mais  extrema é justamente a matemática naturalizada.

Um comentário:

  1. Para quem achou o texto difícil eu posso fornecer uma pista para entender melhor do que se trata.

    Basicamente o que eu abordei no texto diz respeito a diferença entre a matemática que tem algo a dizer sobre a realidade e a matemática que é dita "pura" e que aparentemente não se aplica a coisas reais.

    A questão é mais sutil do que parece, pois toda a matemática pode ser aplicável no universo físico através dos algoritmos apropriados. Então essa pseudo-questão filosófica se transforma numa dúvida mais legítima "podemos separar na matemática pura as teorias que mais ajudam para descrever o universo em que vivemos?".

    Eu acredito que a resposta é afirmativa, essa distinção pode ser efetuada. E isso vem através de uma compreensão unificada da Física que explique todos os fenômenos através de um punhado de conceitos simples.

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