Constantes naturais são essenciais para a física teórica, nos revelando uma estrutura subjacente que possui sua própria linguagem característica. Números adimensionais e dimensões se combinam como numa "Biblioteca de Babel" com uma estrutura extremamente rica que só pode ser vislumbrada num espaço vetorial de fórmulas abstratas.
Quantas são as constantes fundamentais do universo?
Michael Duff, num artigo científico provocativo "Trialogue on the Number of Fundamental Constants" (link no final) disse que não acredita em nenhum número de constantes fundamentais. O motivo apresentado por ele é que as constantes dimensionais não independem do sistema de medidas adotado, portanto não seriam as "verdadeiras" constantes.
Na conclusão do referido artigo ele sugere que enquanto a noção de constantes fundamentais não for esclarecida, a polêmica vai continuar. Concordo plenamente que nunca é pedir demais por debates que possam esclarecer as coisas sobre um conteúdo tão importante. No meu entendimento o artigo científico é muito bom. Porém, é evidente que Michael Duff visa um tópico diferente do título do artigo que trata da determinação do número de constantes fundamentais, um assunto que não foi sequer abordado tangencialmente pelos seus colegas do triálogo Lev B. Okun e Gabriele Veneziano.
Segundo Duff, um universo com constantes dimensionais alteradas seria indistinguível do nosso universo, um argumento que vai contra o pensamento do cientista George Gamow, expresso na sua série de livros de divulgação científica do Sr. Tompkins. Michael Duff está correto em destacar que as constantes adimensionais contém informação privilegiada sobre nosso universo, mas está equivocado em desprezar as constantes dimensionais como irrelevantes para a Física.
Uma constante é fundamental, a grosso modo e do ponto de vista utilitário, se ela aparecer mais do que as outras concorrentes na maioria dos livros didáticos de Física, revistas e artigos científicos. E as constantes G, ħ e c, cumprem bem esse requisito.
Se dependesse somente desse argumento utilitarista ou alguma adaptação bem elaborada dele, o cientista russo Lev B. Okun, partidário das três constantes fundamentais, seria o vencedor do debate.
Unidades Básicas de Planck
A expressão constante fundamental pode significar muitas coisas diferentes; valores numéricos que valem em todos os lugares e épocas, valores que são imprescindíveis para a Física Teórica, valores que não mudam conforme as arbitrariedades humanas e etc. Além disso, ainda há uma sobreposição entre os diversos significados, o que acrescenta mais dificuldade a esse estudo semântico difícil. No argumento mais tradicional, apresentado por Lev Okun, os sistemas métricos e as unidades naturais determinam o que pode e o que não pode ser considerado fundamental na Física. Para esse cientista, a constante de gravitação G, a constante de momento angular ħ e a constante da velocidade da luz c, são as três constantes fundamentais do universo.
O argumento detalhado envolve o Teorema de Bridgman que prova que três dimensões métricas bastam para construir todas as outras. No sistema internacional de unidades, essas unidades métricas são o metro para medir o espaço, o quilograma para medir a massa e o segundo para medir o tempo, o velho MKS do ensino médio. Como numa montagem com os blocos de montar Lego, todas as dimensões da natureza são obtidas através de três tipos de "Legos" básicos: O Metro, o Quilograma e o Segundo.
A distinção entre as unidades primitivas e as unidades derivadas, separa naturalmente na intuição o que é primitivo do que pode ser derivado dos primitivos. Em última análise, a convicção intuitiva que nós temos de que a base dos vetores deve ser fundamental só expressa a matemática do espaço vetorial. Para a maioria, essa definição de constante fundamental basta para todos os propósitos práticos, sendo que os radicais do partido das três constantes usariam as unidades básicas de Planck Lp, Tp e Mp, como as três constantes fundamentais, ao invés das constantes experimentais G, ħ e c.
O comprimento de Planck Lp, o Tempo de Planck Tp e a Massa de Planck Mp, são imprescindíveis para a Física porque seguem rigorosamente o teorema de Bridgman e formam uma base ortonormal no espaço vetorial de fórmulas dimensionais. Em contraste, as constantes G, ħ e c são apenas uma base não ortogonal de fórmulas, cuja correspondência com outras grandezas físicas de referência em algum sistema de unidades é obtida através das unidades naturais apropriadas. Ou seja, toda física que podemos fazer com G, ħ e c, pode ser feita de forma ainda mais eficiente com Lp, Tp e Mp.
Comprimento de Planck
Lp = 1.616 x 10^-35 metros
0.00000000000000000000000000000000001616 m
Tempo de Planck
Tp= 5.400 x 10^-44 segundos
0.000000000000000000000000000000000000000000054 s
Massa de Planck
Mp= 2.176 x 10^-8 quilogramas
0.00000002176 Kg
As constantes fundamentais como cutoffs dos observáveis físicos
Superficialmente, as constantes dimensionais podem ser interpretadas como fatores de conversão, mas quanto a isso estou em sintonia com o argumento de Veneziano.
O que torna uma constante especial, além de mero fator de conversão entre dimensões, é a sua relevância num universo finito que apresenta intervalos válidos com cutoffs dos observáveis. Seja um cutoff máximo ou mínimo da natureza, todos os valores que uma dimensão pode exibir dependem dos respectivos cutoffs, independente da utilidade dos mesmos como fatores de conversão.
Logo, a proposição lógica que esclarece e ataca diretamente o problema semântico das constantes fundamentais da Física e que generaliza o comentário sagaz de Veneziano no debate é:
● Todas as constantes fundamentais podem ser utilizadas como fatores de conversão, mas nem todos os fatores de conversão podem ser constantes fundamentais.
Constantes dimensionais x adimensionais
A informação sui generis de uma constante adimensional, que não muda de valor com a mudança deliberada do sistema de medida, assim como a constante de estrutura fina α, talvez nos indique alguma grandeza importante que não prestamos a devida atenção. Pela própria consistência das ferramentas matemáticas utilizadas na física teórica, as unidades adimensionais tabeladas nada mais são do que projeções de números num eixo adimensional comum que é ortogonal aos eixos das dimensões conhecidas.
Enquanto existirem relações matemáticas inexplicadas entre as diversas constantes que se projetam de forma adimensional, permanece a possibilidade de que algumas delas se refiram a dimensões ausentes e não identificadas numa primeira análise. É um raciocínio circular defender a primazia das constantes adimensionais, para logo em seguida priorizar as constantes dimensionais na leitura e interpretação dos valores adimensionais. Concordo com Michael Duff quanto a relevância das constantes adimensionais, mas por um motivo diferente do considerado por ele (de serem as verdadeiras constantes), elas são importantes porque revelam relações profundas entre as dimensões e os valores adimensionais.
No meu entendimento o universo pode guardar de forma críptica os seus segredos nas bases de representação do espaço de fórmulas dimensionais. Estudando as bases menos comuns, rotacionando e concatenando as dimensões podemos enxergar o que não poderíamos ter visto numa outra base de representação mais trivial.
Texto de referência com link (arXiv):
Trialogue on the Number of Fundamental Constants
Ótimo artigo. Coloca de forma didática um tema que normalmente é discutido apenas por quem tem formação científica.
ResponderExcluirApesar de ser um tema árido, o texto atrai nossa atenção nos fazendo lê-lo até o final.
Obrigado pelo seu comentário. A intenção é que o leitor consiga tirar algum proveito do post, mesmo que seja obrigado a ler informações adicionais de outras fontes.
ResponderExcluir