sábado, 6 de abril de 2019

RPG, Psicologia Educacional e as Narrativas Interativas


O Role Play Game (RPG), Jogo de Interpretação de Papéis, até onde se sabe se originou nos EUA na década de 70, difundindo-se no Brasil mais intensamente no final da década de 80.

Estamos falando aqui de narrativas interativas, algo inovador, que permite ações constantes dos personagens sobre a história tecida pelo narrador; como um filme em movimento onde nossos personagens possuem escolhas a fazer; e nós vamos construindo a sua história.

É como uma dinâmica de interação, mais do que de competição, onde narrador e personagens cooperam entre si, interpretando seus scripts, construindo histórias e memórias através das narrativas criadas em conjunto, dando vida a um mundo e aos seus personagens. Essas aventuras imaginativas são fonte inesgotável de inspiração e estímulo para o aprendizado.

Após a década de 90, o RPG passou a ser usado em diversas áreas do conhecimento, sobretudo nas ciências humanas, para fins didáticos, como uma ferramenta de ensino, socialização e desenvolvimento de habilidades sociais e psicológicas.

"Ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção" (Pereira, 2007, p.78)

Recentemente encontramos muitas teses de doutorado sobre o tema e pesquisas que evidenciam os benefícios do RPG, como estímulo a curiosidade, imaginação, criatividade e principalmente a aprendizagem, por exemplo, aprender um conteúdo de geografia descendo com meu personagem uma montanha íngreme, ou um conteúdo de história interpretando um camponês ou um senhor feudal,  além de ser conteúdo de ensino, é também uma vivência.

"Ao ambientar os participantes em um cenário para a narrativa e construí-la coletivamente com uma seqüência de eventos, pelo menos parcialmente determinada pelas decisões dos participantes sobre as ações de suas personagens, o RPG tem uma capacidade de simulação da realidade que é vantajosa para as propostas educacionais"(Pereira, 2007, p.76).

O ensino-aprendizagem certamente melhora se o aprendiz vivenciar e interagir com aquilo que está lendo e puder ser coautor da narrativa:

"O RPG pode então ser visto como uma narrativa hipermidiática (texto escrito, imagens e a narração do mestre e representação das personagens), onde a disponibilidade instantânea de possibilidades articulatórias permite uma reconfiguração constante da obra através das intervenções de cada participante". (Pereira e Garcia, 2008, p.36).

O participante tem a total liberdade para criar o personagem dentro dos parâmetros do mundo/cenário onde se desenvolverá a história. Por exemplo, pode ambientar na idade média histórica real, com personagens históricos reais, ou numa idade média de fantasia como no livro o senhor dos anéis. Tudo depende do cenário ou ambiente onde o personagem vai viver; o mundo no qual vai interagir com os demais personagens da narrativa.

Os livros com descrições de cenários, mundos/universos de RPG são muitos, produzido a partir de 1974 vão de A a Z, ao gosto do grupo, abrindo ainda a possibilidade de criação de seu próprio mundo/universo de RPG. Na área da educação os mundos/universos geralmente são ambientados em contextos históricos reais como no exemplo de narrativa logo abaixo, porque o foco nesse caso é a aprendizagem de novos conteúdos.

"A narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos primários para a compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a comunidade global reunida diante do aparelho de televisão". (Pereira e Garcia, 2008, p.37).

Exemplo de uma narrativa de RPG - Cenário de História Medieval:

Narrador: Seus personagens estão próximos a entrada de uma montanha, localizada próxima as terras do reino Franco, na época da alta idade média, ao longe no mar avistam os barcos de uma tribo de  bárbaros Vikings se aproximando. O que vão fazer?

Personagem 1: Entro na montanha! Mas fico com minha espada em punho caso vierem me atacar!

Personagem 2: Vou procurar um lugar entre as árvores para me esconder e observar, mas com meu arco e flecha preparados.

Personagem 3: Como sou capitão da guarda do rei, vou ordenar que meus soldados tomem posição de ataque enquanto entro na montanha e observo.

Eles se aproximam mas não enxergam vocês, passam direto com seus navios, estão indo em direção ao castelo do reino , ao que tudo indica tentarão invadir o reino Franco.

O exemplo acima ilustra bem que:

"O papel do emissor passa a ser então o de construir uma rede (não uma rota), definindo um conjunto de territórios a explorar e receptivos a interferências e modificações, vindas da parte do receptor. Surge então um ambiente para a co-criação, a co-autoria entre emissor e receptor. Surge a interatividade". (Pereira e Garcia, 2008, p.38).

O RPG torna-se assim uma ferramenta que facilita o ensino e a aprendizagem, sendo mais uma opção dentre as várias técnicas  e tecnologias educacionais.

Referências Bibliográficas:

Pereira, C. & Garcia, E. Uma ponte pela escrita: A narratividade do RPG como estímulo à escrita e à leitura. Tese (Doutorado em Letras) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

Pereira, C. Técnicas para Narrativas Interativas, B. Téc. Senac: a R. Educ. Prof. , Rio de Janeiro, v. 33, n.3, set./dez. 2007.

3 comentários:

  1. RPG é um tema fascinante e sempre atual, como visto no filme BANDERSNATCH da Netflix. O uso do jogo de representação de papéis para desenvolver diversas capacidades cognitivas como pensamento abstrato, estratégia, gestão de recursos, logística e aprimoramento geral da cognição é um campo de estudo da psicologia ainda em andamento, devido aos inúmeros desdobramentos envolvidos.

    Com esses posts, podemos qualificar o que de melhor a cultura underground tem a nós oferecer, fazendo um registro aqui no blog.

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  2. Sim, pretendo fazer um segundo post sobre o tema falando um pouco sobre o pai do RPG: O Livro-Jogo (popularmente conhecido como aventura solo) e também sobre os mundos/cenários de RPG.

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  3. Muito interessante, mencionei a relação do RPG com o filme interativo BANDERSNATCH da Netflix, justamente me referindo ao livro-jogo que aparece no filme.

    Com certeza, tem bastante assunto pra desenvolver e até abordar os RPG's clássicos como D&D e alguns jogos de computador nessa modalidade.

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