quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Introdução à Filosofia Digital

Na física digital, o espaço-tempo em escala microscópica se parece mais com a grade digital do filme Tron do que o espaço-tempo contínuo pressuposto por Einstein.

Argumentos principais da filosofia digital:
- A Realidade é feita de Informação (It From Bit)
- A Natureza é finita
- O espaço-tempo não é contínuo
- O universo é computável 

Os primórdios da Filosofia Digital

Podemos dizer que os primórdios remontam a Leibniz com a descoberta da base binária e suas investigações sobre a complexidade, depois a Joseph-Marie Jacquard, em 1801, com seu tear automatizado e duas décadas depois, em 1822, Charles Babbage com a sua máquina diferencial, passando pelos proto algoritmos de Ada Lovelace, a primeira programadora da história.

A descrição matemática de um computador por Alan Turing e sua pesquisa com a máquina decriptadora Bombe, em 1939, possibilitariam criar alguns anos depois o monstro de válvulas ENIAC. Nem é preciso nos estendermos mais para dizer como os primórdios da filosofia digital se confundem com os primórdios da ciência da computação e da informática.

A Teoria da Informação de Claude Shannon que ele desenvolveu enquanto funcionário da Bell Telephone Laboratories é um marco da filosofia digital. Mais do que resolver um problema de ordem prática, pertinente a tecnologia das telecomunicações, Shannon estava colocando a informação num contexto matemático e abrindo caminho para os futuros teóricos lançarem novos paradigmas.

Em 1989, o físico John Archibald Weller cunhou a expressão famosa: "As coisas são feitas de bits". A física digital deixou de ser mera conjectura vaga e começou a ser levada a sério por outros intelectuais proeminentes que cada vez mais apostavam numa relação direta entre a informação física e a essência da realidade.

O cientista Edward Fredkin, assim como Weller, foi um dos pioneiros da filosofia digital e o que mais contribuiu com a divulgação do pancomputacionalismo ou a ideia de que as ciências naturais se reduzem à Física e por fim esta se reduz à Teoria da Informação. Fredkin criou o novo termo física digital nos seus escritos e logo mudou para o termo mais abrangente filosofia digital.

Refutando o "fantasma na máquina"

A complexidade algorítmica  é definida como a quantidade  mínima de informação necessária para descrever um objeto com uma determinada estrutura interna. Em 1961, o cientista Rolf Landauer propôs que existe um consumo mínimo de energia para executar a computação de um bit. Essas duas coisas juntas, significam que objetos com diversas complexidades, exigem diferentes conteúdos mínimos de energia para existirem na natureza.

Seja um programa de computador P, que executa o Teorema de Pitágoras e calcula a hipotenusa (A) a partir dos dados de entrada dos catetos (B,C) de um triângulo retângulo. Então o algoritmo P não é um "fantasma na máquina", pois ele necessita de uma energia Eo mínima, dependendo de sua complexidade, para existir no mundo real.

O teorema de Pitágoras é tradicionalmente pensado como uma ideia platônica associada a métrica euclidiana, mas também é informação física que consome energia. A matemática parece ter poder para legislar sobre tudo, determinando através da Física, como suas verdades se tornam imanentes no mundo. O teorema de Pitágoras, por ser informação digital, também requer existir no espaço, no tempo e consumir energia. 

Onde está toda essa riqueza da matemática quando não pensamos nela? Onde estão esses programas de computador quando não pensamos neles? 

Essas coisas estão na realidade e existem independentemente do observador como informação não atualizada na nossa consciência. É correto pensar que a natureza "sabe" o teorema de Pitágoras, como nos sinais trocados entre os satélites de GPS e os dispositivos móveis na terra, que seguem o análogo do teorema de Pitágoras na geometria hiperbólica do espaço-tempo curvo.

Não importa se o teorema de Pitágoras quadridimensional está "lá fora" como informação gravada na métrica do campo gravitacional, se está rodando num computador que faz simulações ou está sendo pensado por um estudante ou um professor, em todos os casos existe um consumo mínimo de energia associado a essa informação.

Matemática quase-empírica

Gregory Chaitin descobriu o número ômega Ω, também chamado de constante de Chaitin, através de pesquisas com a sua Teoria da Informação Algorítmica (TIA).

No buscador Wolfram Alpha, obtemos o valor:
Ω = 0,00787499699...

O ômega é um número incomputável que representa a probabilidade de parada de qualquer algoritmo. Segundo Landauer os algoritmos são físicos, logo a constante ômega não é uma verdade que existe independente da natureza. Cada dígito desse número pode ser descoberto por uma heurística quase-empírica que é significativamente melhor que o método de checar todos os programas e verificar se eles efetivamente param. Chaitin sugeriu que a Matemática é mais parecida com a Física do que poderíamos suspeitar.

Gravidade Quântica em Loop Computacional (CLQG)

A ideia é enganadoramente simples, cada pixel de Planck seria uma unidade de memória e processamento do universo, computando toda e qualquer informação física. 

Nessa abordagem, o universo não usaria a tradicional computação binária da  maioria das nossas máquinas atuais, mas sim a computação baseada na superposição de estados físicos da mecânica quântica, a computação através dos qubits.

A física teórica Paola Zizzi condensou os projetos dos teóricos da física digital e elevou tudo num novo patamar. Mantendo e aperfeiçoando a ideia principal do mestre John Weller, Zizzi desenvolveu o update para o século 21 de "It From Bit", teorizando o "It From Qubit".

Entre todas as propostas que buscam conciliar a teoria da gravidade de Einstein com a mecânica quântica, considero a abordagem da Filosofia Digital da Teoria da Gravidade Quântica em Loop a mais promissora.

Algumas reflexões sobre a Filosofia Digital:

- A heurística computacional utilizada para obter valores mais precisos da constante ômega e dos super ômegas é similar a uma experiência física, isto é, a computacionalidade por limite traz conexões intrigantes com o método científico;
- Constantes naturais são, por definição, verdades naturais;
- A complexidade do universo pode estar além da nossa capacidade de explicação atual, porém isso não significa que não existem verdades matemáticas, computáveis por limite ou irredutíveis, que podem justificar racionalmente um único universo;
- Na filosofia digital, as teorias que recorrem ao multiverso já não parecem tão atrativas.

3 comentários:

  1. Um artigo muito bom e com muito conteúdo! Super interessante a filosofia digital, faz realmente muito sentido pensar que a realidade é feita de informação, que as coisas são feitas de bits, é como se essa ideia juntasse as peças de um grande quebra-cabeças. Interessante também saber como os primórdios da filosofia digital se confundem com os primórdios da ciência da computação e da informática.

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    1. Você resumiu bem, é um grande "quebra-cabeças". Podemos pensar no universo como um puzzle que podemos tentar resolver como qualquer problema solucionável por computador.

      Eu acho ainda mais interessante a ideia de que a Filosofia Digital pode explicar um único universo, não precisamos recair no raciocínio circular de simulações realizadas em simulações, pois nada simularia o universo com todos os detalhes.

      Existe um "ponto de término" que encerra todas as simulações ou em outros termos a melhor simulação do universo é ele mesmo.

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  2. Um comentário que é uma observação pertinente:
    Em continuidade com a linha do post anterior que foi mais uma provocação filosófica, a Filosofia Digital parece ser a metalinguagem adequada para explicar a Física.

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