quarta-feira, 15 de maio de 2019

Matrix e o Código da Realidade

Essa imagem icônica de Matrix, dos blocos de código binário deslizando numa tela monocromática verde, é uma metáfora para o código da própria realidade. O filme não se limita a ser uma coleção de filosofias de diversos autores condensadas em formato de blockbuster. 

Matrix é um filme que segue A Jornada do Herói com bastante fidelidade, unindo magistralmente a ficção científica com a mitologia. Filmes com teor mitológico, quando são bem feitos, agregam bastante conteúdo filosófico de qualidade.

Hajime Tanabe aconselhou: "antes de filosofar é preciso confessar"

O primeiro passo da aventura filosófica é confessar que não temos nenhuma das respostas e que nem ao menos conseguimos formular as perguntas relevantes. A grande mensagem de Matrix parece ser essa, a rejeição do chamado (ver post A Jornada do Herói) e a confissão de Neo no filme é uma representação figurada da aventura de todo filósofo em busca de conhecimento.

O penso, logo existo cartesiano já não basta. Na Matrix não temos certeza de nada, até a existência humana é mediada por programas de computador engendrados somente com o intuito de manter uma prisão mental. Nessa camisa de força filosófica, o Arquiteto faz o papel do demônio ardiloso de Descartes. Confrontar a realidade é tanto a tarefa do Herói clássico quanto a tarefa de um Filósofo. O primeiro recorre a coragem física em batalha e o segundo necessita de muita coragem intelectual para desafiar os paradigmas vigentes sobre a realidade.

Neo é um herói filósofo, o Sócrates do ciberespaço

Confesso que sou fã de Matrix, especialmente do primeiro filme, tanto quanto sou fã da aventura intelectual que é fazer metafilosofia. Refletir sobre o próprio ato de filosofar, tentando encontrar uma filosofia compatível com a cientificidade contemporânea e livre das irracionalidades pós-modernistas é um dos meus objetivos de vida.

A relação batida de Matrix com a Alegoria da Caverna de Platão já rendeu muitos posts na internet, teses acadêmicas e matérias jornalísticas, portanto eu me nego a entrar novamente nesse assunto.

Na minha perspectiva, a melhor abordagem filosófica é através da metáfora Matrix ou metáfora de que a nossa realidade pode ser como um jogo de computador.


Quebrando as leis da física

A primeira coisa que deve ser analisada no filme é a facilidade com que Neo consegue quebrar as leis da física dentro da Matrix. Um pós-modernista jamais se atentaria ao fato que glitches são bastante comuns em jogos de computador com placas gráficas dedicadas a emulação de física real, bots com IA convincente, alternância das fases do dia e da noite, simulação do clima e etc. 

Glitches são falhas no código do programa que permitem atravessar paredes e tomar atalhos nos cenários, um tipo de trapaça involuntária.  E Cheats no jargão gamer são brechas intencionais, criadas pelos programadores,  na forma de códigos de programação que podem ser inseridos pelos jogadores para manipular a ação e o cenário.

Ora, é exatamente o que Neo faz dentro da Matrix. Utiliza cheats como o God Mode e  outros códigos, comuns nos jogos de tiro em primeira pessoa. Através de uma interface neural conectada diretamente na medula, Neo acessa esse sistema para trapacear dentro da Matrix. É apenas isso que permite que Neo desvie das balas e execute outras proezas sobre-humanas que outros participantes da Matrix não conseguem executar.

No contexto da metáfora Matrix, Neo é um jogador mais habilidoso do que os demais, por isso "joga" melhor.


O  Código da Realidade

Toda ciência suficientemente avançada é indistinguível da magia. Arthur C. Clarke

Neo é mais cientista (suas proezas são resultado de ciência avançada do futuro) do que mago quando está dentro da Matrix e por isso o primeiro filme acerta em cheio. 

O erro das continuações foi forçar à barra e mostrar Neo realizando proezas extraordinárias fora da Matrix. Além da teoria de que o mundo real também possa ser uma Matrix de um nível superior, muita coisa fica inexplicada e não se resolve adequadamente, tornando a declaração de Clarke apenas uma desculpa para a mistificação.

Seria a Ciência a detecção e a indução de glitches dentro do mundo real? E seria a Tecnologia um modo de trapacear sobre a natureza? 

Ou formulando melhor as duas perguntas numa só:
O mundo real tem um código fonte de programação?

Se o mundo possui esse código fonte, então a metáfora da realidade física como um jogo de videogame seria uma descrição bem aproximada. A natureza é finita ou infinita? Uma questão crucial para a filosofia e para a ciência, mais do que a maioria de nós poderia suspeitar num primeiro contato com a questão.

O que o primeiro computador ENIAC tem em comum com o DEEP BLUE que venceu Kasparov no Xadrez e o WATSON que venceu no Jeopardy!? O que esses computadores tem em comum com o supercomputador fictício MULTIVAC que respondeu a Última Pergunta da humanidade no conto homônimo de Asimov?

Tirando a obviedade de que todos são computadores, podemos afirmar que todos são realizações da  máquina universal de Turing, portanto são máquinas finitas. Tudo que é construído num tempo finito X, seja um objeto manufaturado concreto ou seja o raciocínio matemático sobre coisas abstratas, é uma coisa finita. E estou incluindo o raciocínio matemático sobre o infinito! 

Quando pensamos sobre o infinito atual ou quando usamos técnicas do cálculo diferencial e integral para conceber matematicamente o infinito potencial, estamos pensando através de processos neuronais finitos. Será que criaturas finitas podem pensar num infinito que realmente existe "lá fora" ou tudo não passa de uma grande ilusão estilo Matrix? 

Conforme vimos no post A Ordem do Tempo, aqui no blog, a quantização do tempo implica que todos os intervalos temporais são múltiplos de um intervalo mínimo de tempo. E a consequência disso é que a natureza é finita.

Se a Teoria da Gravitação Quântica em Loop estiver correta, o nosso universo provavelmente é baseado em matemática computável. Nesse caso, a realidade teria um código fonte de programação (as leis da física) e o nosso universo seria análogo a uma Matrix Cósmica.

Uma interface neural capaz de moldar os pensamentos humanos direto na realidade ainda continuaria sendo um sonho distante da ficção cientifica, mas pelo menos não seria um sonho impossível.

Para saber mais:

A Jornada do Herói
https://bigbizang.blogspot.com/2019/04/a-jornada-do-heroi.html
A Ordem do Tempo
https://bigbizang.blogspot.com/2019/04/a-ordem-do-tempo.html
A Última Pergunta
https://bigbizang.blogspot.com/2019/03/a-ultima-pergunta-foi-feita-pela.html

O Livro da Filosofia, Globo Livros

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